
Não ia escrever sobre esse assunto, já que pra mim seria difícil faze-lo com isenção. Isso porque, simplesmente ODEIO essa Daslu e tudo o que ela representa. Deixo então a tarefa pra dois craques. O primeiro, Jayme Serva, que colocou no blog 'Dito Assim Parece À Toa', texto do qual reproduzo trecho abaixo:
Tenho uma especial antipatia pela figura de Eliana Tranchesi e o que ela representa. A idéia da lojinha feita para vender roupinhas caras a mulheres ricas e indolentes, prontas a passar uma tarde provando peças variadas e jogando sua rala conversa e a grana dos maridos fora, ao sabor de chazinhos -- peças e chazinhos produzidos por diligentes mucamas -- é algo próximo da imagem das sinhás esperando o tempo passar, enquanto os sinhôs faziam dinheiro com o trabalho forçado de seus escravos africanos. A mega-Daslu, hoje, vende artigos importados, jóias, flores, badulaques, além das roupinhas, agora não mais costuradas no fundo da loja, mas no fundo do mundo, na China, que é de onde vêm os artigos das melhores marcas de Paris, Londres, Roma e Nova York. Os preços em Marte e os clichês todos de demonstração de riqueza atraem também um batalhão de jovens wannabes a macaquear o que a sociedade brasileira produziu de pior. Tudo num prédio que é o marco do lixo da arquitetura recente de São Paulo.
Acho que isso basta para mostrar que o que vou dizer a seguir não é fruto de nenhuma afetividade arranhada.
A prisão de Eliana Tranchesi, baseada em uma lei feita em 1995 sob medida para assaltantes de bancos, e sua condenação a 94 anos de cadeia compõem um dos capítulos mais asquerosos da história da Justiça no Brasil. Por que? Porque é tudo, menos Justiça. É show-off, exploração da imagem alheia para auto-promoção, linchamento, interpretação viciada da Lei e tentativa de armar um espetáculo a partir de uma situação jurídica conhecida e corriqueira.
A Justiça no Brasil chegou a tal grau de incapacidade que precisa apelar ao espetáculo para tentar mostrar ao público que serve para alguma coisa, que é cega, que é expedita, que cumpre sua atribuição institucional. Uma juiza inexpressiva de primeira instância vê sua chance de aparecer para a posteridade e, se idealista, vê ainda a chance de mostrar ao mundo que rico, com ela, não tem vez. A partir daí, nada será impedimento para o show, não importa que não haja relação razoável entre a pena e o delito, e sim que haja todos os requisitos para atrair câmeras e microfones.
Gabriel Gaspar, sempre demolidoramente lúcido no blog 'Afroências', também abordou o assunto e também recebe reprodução a seguir. Os dois blogs estão linkados aí ao lado.
"Vítima" (haja aspas) da Operação Narciso, Eliana Tranchesi acha feio o que não é espelho. Como ela disse em 2006 à Folha de S. Paulo, "A crise da Daslu e o câncer me fizeram sentir como se eu fosse uma criança deixando abruptamente a Disney. A Daslu é a Disney, onde tudo é lindo, as vendedoras são lindas, o cabelo é lindo, a roupa é linda, é tudo bonito. É tudo agradável. Até então, eu imaginava a vida como uma grande brincadeira...". A Daslu é branca de olhos azuis.
E branca de olhos azuis foi também a cobertura do caso. Acho curiosa a facilidade com que se condena pretos de olhos pretos. É fácil você ver escrito nos jornais que o "Traficante fulano foi preso", que "os ladrões invadiram não sei o que"; você nunca vê "O pedreiro fulano acusado de tráfico de drogas". Pois bem, ninguém também chama a tranqueira branca de olhos azuis de bandida, ladra ou qualquer equivalente - o que seria muito justo já que sua "empresa" foi classificada pela Justiça como "Organização Criminosa". Ela é a "Empresária com câncer que gera não sei quantos empregos" - eles sempre frisam a geração de empregos.
Eliana Tranchesi demorou um tempão para entrar na cana porque faltava uma cela adequada. Acho curioso isso. Falta cela adequada para todo mundo: o sistema prisional brasileiro é uma piada de péssimo gosto. Mas eu nunca vi ninguém defender que um preto de olhos pretos não aguarde julgamento trancafiado porque faltam-lhe condições na cela. Me poupe... Olha só o caso de Valeska Karla, fonte de uma excelente matéria de Marina Morena Costa, do iG, sobre o sistema prisional feminino em São Paulo. Valeska é mãe de três filhos pequenos, está presa há mais de um ano - no mesmo Carandiru que não tinha condições para Tranchesi - e não tem noção de sua pena. Na entrevista à Marina, ela diz: "Não tive nenhuma audiência com o juiz, não pude apresentar minha defesa e não sei quanto tempo ficarei aqui. Não sei se cumpri metade da pena, um terço, um quinto ou um décimo". Nem preciso dizer que Valeska não é branca de olhos azuis nem achava que vivia na Disneylândia antes de ser presa.
Valeska, suspeita de tráfico de drogas; Eliana, condenada por fraudes que custaram mais de R$ 1 bi ao Estado, de acordo com matéria de Murillo Camarotto para o Valor Econômico. A primeira, presa há mais de um ano, deve ficar presa por sabe-se lá quantos mais. A segunda, solta mediante habeas corpus excepcionalmente expedido durante o fim de semana. A primeira (vale frisar, acusada), traficante pelo padrão jornalístico; a segunda (condenada), empresária. A primeira, preta de olhos pretos; a segunda loira de olhos azuis. Coloco tudo isso na balança e a única pergunta que me vem à mente é: Por que estão chamando o Lula de racista?