segunda-feira, 30 de março de 2009

Das trancas e tranqueiras



Não ia escrever sobre esse assunto, já que pra mim seria difícil faze-lo com isenção. Isso porque, simplesmente ODEIO essa Daslu e tudo o que ela representa. Deixo então a tarefa pra dois craques. O primeiro, Jayme Serva, que colocou no blog 'Dito Assim Parece À Toa', texto do qual reproduzo trecho abaixo:

Tenho uma especial antipatia pela figura de Eliana Tranchesi e o que ela representa. A idéia da lojinha feita para vender roupinhas caras a mulheres ricas e indolentes, prontas a passar uma tarde provando peças variadas e jogando sua rala conversa e a grana dos maridos fora, ao sabor de chazinhos -- peças e chazinhos produzidos por diligentes mucamas -- é algo próximo da imagem das sinhás esperando o tempo passar, enquanto os sinhôs faziam dinheiro com o trabalho forçado de seus escravos africanos. A mega-Daslu, hoje, vende artigos importados, jóias, flores, badulaques, além das roupinhas, agora não mais costuradas no fundo da loja, mas no fundo do mundo, na China, que é de onde vêm os artigos das melhores marcas de Paris, Londres, Roma e Nova York. Os preços em Marte e os clichês todos de demonstração de riqueza atraem também um batalhão de jovens wannabes a macaquear o que a sociedade brasileira produziu de pior. Tudo num prédio que é o marco do lixo da arquitetura recente de São Paulo.

Acho que isso basta para mostrar que o que vou dizer a seguir não é fruto de nenhuma afetividade arranhada.

A prisão de Eliana Tranchesi, baseada em uma lei feita em 1995 sob medida para assaltantes de bancos, e sua condenação a 94 anos de cadeia compõem um dos capítulos mais asquerosos da história da Justiça no Brasil. Por que? Porque é tudo, menos Justiça. É show-off, exploração da imagem alheia para auto-promoção, linchamento, interpretação viciada da Lei e tentativa de armar um espetáculo a partir de uma situação jurídica conhecida e corriqueira.

A Justiça no Brasil chegou a tal grau de incapacidade que precisa apelar ao espetáculo para tentar mostrar ao público que serve para alguma coisa, que é cega, que é expedita, que cumpre sua atribuição institucional. Uma juiza inexpressiva de primeira instância vê sua chance de aparecer para a posteridade e, se idealista, vê ainda a chance de mostrar ao mundo que rico, com ela, não tem vez. A partir daí, nada será impedimento para o show, não importa que não haja relação razoável entre a pena e o delito, e sim que haja todos os requisitos para atrair câmeras e microfones.


Gabriel Gaspar, sempre demolidoramente lúcido no blog 'Afroências', também abordou o assunto e também recebe reprodução a seguir. Os dois blogs estão linkados aí ao lado.

"Vítima" (haja aspas) da Operação Narciso, Eliana Tranchesi acha feio o que não é espelho. Como ela disse em 2006 à Folha de S. Paulo, "A crise da Daslu e o câncer me fizeram sentir como se eu fosse uma criança deixando abruptamente a Disney. A Daslu é a Disney, onde tudo é lindo, as vendedoras são lindas, o cabelo é lindo, a roupa é linda, é tudo bonito. É tudo agradável. Até então, eu imaginava a vida como uma grande brincadeira...". A Daslu é branca de olhos azuis.

E branca de olhos azuis foi também a cobertura do caso. Acho curiosa a facilidade com que se condena pretos de olhos pretos. É fácil você ver escrito nos jornais que o "Traficante fulano foi preso", que "os ladrões invadiram não sei o que"; você nunca vê "O pedreiro fulano acusado de tráfico de drogas". Pois bem, ninguém também chama a tranqueira branca de olhos azuis de bandida, ladra ou qualquer equivalente - o que seria muito justo já que sua "empresa" foi classificada pela Justiça como "Organização Criminosa". Ela é a "Empresária com câncer que gera não sei quantos empregos" - eles sempre frisam a geração de empregos.

Eliana Tranchesi demorou um tempão para entrar na cana porque faltava uma cela adequada. Acho curioso isso. Falta cela adequada para todo mundo: o sistema prisional brasileiro é uma piada de péssimo gosto. Mas eu nunca vi ninguém defender que um preto de olhos pretos não aguarde julgamento trancafiado porque faltam-lhe condições na cela. Me poupe... Olha só o caso de Valeska Karla, fonte de uma excelente matéria de Marina Morena Costa, do iG, sobre o sistema prisional feminino em São Paulo. Valeska é mãe de três filhos pequenos, está presa há mais de um ano - no mesmo Carandiru que não tinha condições para Tranchesi - e não tem noção de sua pena. Na entrevista à Marina, ela diz: "Não tive nenhuma audiência com o juiz, não pude apresentar minha defesa e não sei quanto tempo ficarei aqui. Não sei se cumpri metade da pena, um terço, um quinto ou um décimo". Nem preciso dizer que Valeska não é branca de olhos azuis nem achava que vivia na Disneylândia antes de ser presa.

Valeska, suspeita de tráfico de drogas; Eliana, condenada por fraudes que custaram mais de R$ 1 bi ao Estado, de acordo com matéria de Murillo Camarotto para o Valor Econômico. A primeira, presa há mais de um ano, deve ficar presa por sabe-se lá quantos mais. A segunda, solta mediante habeas corpus excepcionalmente expedido durante o fim de semana. A primeira (vale frisar, acusada), traficante pelo padrão jornalístico; a segunda (condenada), empresária. A primeira, preta de olhos pretos; a segunda loira de olhos azuis. Coloco tudo isso na balança e a única pergunta que me vem à mente é: Por que estão chamando o Lula de racista?

quinta-feira, 26 de março de 2009

Novos tempos


Na semana passada, em um seminário para empresários americanos possivelmente interessados em investir no país, o presidente do México, Felipe Calderón, surpreendeu a platéia ao dizer que "os EUA deveriam investigar a corrupção na CIA e no FBI, porque é essa praga que ajuda a explicar porque é tão difícil lutar contra as organizações criminosas de traficantes de drogas que atuam no México. Enquanto existem vários policiais mexicanos de alta patente na cadeia, não tenho notícia de um único policial americano que esteja ao menos sendo investigado".

A reação irada de Calderón aconteceu em resposta à declaração de um diretor da CIA, de que "o México não controla seu próprio território" - alusão à verdadeira 'guerra das drogas' que está acontecendo na fronteira entre os dois países. Calderón ainda convidou o tal diretor da CIA a "visitar o México para ver como estamos trabalhando duro pra enfrentar um problema que não foi criado por nós e que é uma consequência do fato do nosso vizinho do Norte ser o maior consumidor de drogas e o maior produtor de armas do mundo".

Uau! Pegou pesado o tal do Calderón, hein? Gostei! Mas o mais interessante é que a Hillary Clinton aceitou o convite do presidente e foi ao México ontem. E olha só o que ela disse: "A nossa insaciável demanda por drogas alimenta esse comércio. E a nossa inabilidade para evitar que as armas sejam contrabandeadas pela fronteira provoca a morte de policiais, soldados e civis". Uau de novo! Já imaginou se ainda fosse o Bush no poder, como esse assunto seria tratado?

Eu já havia ficado pasmo com o pronunciamento do Obama, semana passada, sobre o Irã. Pela primeira vez na vida, vi um presidente americano completamente despido de arrogância e de empáfia, usando um tom coloquial, amistoso e receptivo pra se dirigir a uma nação que até outro dia era incluída no tal 'Eixo do Mal' do Bushinho. Clóvis Rossi chegou a escrever que não reconhecia ali um presidente dos EUA, mas sim o pai da Malia e da Sasha, falando com amigos na sala de casa.

Vamos esperar pra ver o que vem por aí de concreto, mas essa simples mudança de postura na (ainda) nação mais poderosa do mundo, me enche de satisfação.

quarta-feira, 25 de março de 2009

Mais uma da Argentina...


A Revista THC já tem três anos de idade. Advoga a descriminalização do cultivo da maconha para uso próprio, como forma de garantir a qualidade e combater o tráfico. Nesse período, já obteve algumas vitórias importantes para a causa. Traz muito conteúdo e é, no geral, bem escrita. A Argentina, aliás, com cerca de 1/10 da população brasileira, possui um mercado editorial de qualidade infinitamente superior: a quantidade de (bons) títulos é incrível. Corrijo: é a nossa penúria nessa área que impressiona. Mas também é verdade que a capa da THC desse mês ficou ridícula, com cara de anúncio de margarina.

segunda-feira, 23 de março de 2009

Uma cidade: Buenos Aires


Essa época do ano é uma das melhores para curtir a capital da Argentina: sol e céu azul de dia, temperaturas ideais à noite.



Muito verde, arquitetura deslumbrante, os bares e restaurantes modernos de Palermo, as livrarias, os cafés e confeitarias.



E o povo argentino, quase sempre muito mais politizado e civilizado que o brasileiro. Fica difícil entender como eles são presas tão fáceis para aberrações políticas como Perón, Menem, e agora, esse ridículo casal Kirchner. Perguntei para vários deles a razão disso; ninguém conseguiu me explicar direito.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Recomendo


A idéia é muito boa: o fotógrafo Evandro Teixeira, que cobriu para o Jornal do Brasil a histórica 'Passeata dos 100 Mil', em 1968 no Rio de Janeiro, pegou a foto acima e foi atrás de alguns dos milhares de rostos ali presentes; identificou vários, entrevistou e fez fotos atuais de cada um deles, na mesma Cinelândia da foto original.

Interessante conferir o rumo que cada um tomou, a influência (ou não) que os 'arroubos da juventude' tiveram sobre as vidas daquelas pessoas. Seria fácil ir atrás dos (muitos) participantes famosos que ali estavam: Chico Buarque, Gilberto Gil, Nana Caymmi, Paulo Autran, Odete Lara, Caetano Veloso, Tônia Carreiro (que identifiquei nas fotos abaixo):






Mas Evandro escolheu personagens anônimos, ou quase anônimos, e incluiu bons textos de Marcos Sá Correa, Fritz Utzeri, Augusto Nunes e Vladimir Palmeira. Pronto: fez um livro histórico, importante e que além e acima disso, tem a força e a beleza crua do melhor fotojornalismo.

quinta-feira, 12 de março de 2009

Cocaína, herô e ópio para todos!!!

Calma, gente... isso foi no tempo dos nossos (bis)avós. Vejam só que coisa:


Heroína da Bayer. Entre 1890 a 1910, a heroína era divulgada como um substituto não viciante da morfina; e como remédio contra tosse para crianças.


O Mariani (1865) era o principal vinho de coca do seu tempo. O Papa Leão XIII adorava o produto e premiou seu criador, Angelo Mariani, com uma medalha de ouro. E esse era apenas um entre os muitos vinhos que continham coca, disponíveis no mercado. Todos afirmavam que tinham efeitos medicinais, mas não há dúvidas de que eram consumidos, também pelo seu valor "recreativo".


Drops de cocaína para dor de dente (1885) eram muito populares. Não apenas acabava com a dor, mas também melhorava o "humor" dos petizes.


Propaganda de heroína da Martin H. Smith Co., de Nova York. A heroína era amplamente usada não apenas como analgésico, mas também como remédio contra asma, tosse e pneumonia. Misturar heroína com glicerina (e comumente, açúcar e temperos) tornava o opiáceo mais palatável para a ingestão oral.


E pra aquietar recém-nascidos, ópio. Esse frasco de paregórico (sedativo) da Stickney and Poor's trazia uma mistura de ópio e álcool e era distribuída do mesmo modo que os temperos pelos quais a empresa tornou-se conhecida. "Dose – [Para crianças com] cinco dias, 3 gotas. Duas semanas, 8 gotas. Cinco anos, 25 gotas. Adultos, uma colher cheia." O produto era muito potente: continha 46% de álcool.

domingo, 8 de março de 2009

Recomendo


Sensacional capa de Di Cavalcanti, para disco póstumo de Noel Rosa, de 78rpm, lançado em 1950. Essa e outras belas imagens ilustram o livro '300 Discos Importantes da Música Brasileira', organizado por Charles Gavin e com bons textos assinados por Carlos Calado, Tárik de Souza e Arthur Dapieve. É claro que qualquer lista é imperfeita, já que sempre obedece a critérios discutíveis e que são filtrados por pontos de vista, pré-conceitos e perspectivas racionais/emocionais, absolutamente pessoais. Mas a idéia do livro é boa e sua execução também. A edição é bem cuidada, a impressão é ótima.

Além dos textos e das capas de discos, olivro tem também algumas fotos bem legais e pouco conhecidas, como essa aí de Cartola e Dona Zica, assinada por Francisco Pereira...



...ou essa outra do Jorge Mautner, tirada em 1972 por Odir Amorim:



Ganhei o livro de presente e por isso não sei o preço, mas deve custar bem caro. Pra quem puder bancar a extravagância, fica a dica.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Cacete!!!


Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia, 'a incidência de raios ultravioleta atingiu níveis extremos em 13 capitais brasileiras ontem, por volta das 12h15. Os índices variaram entre 11 e 13 pontos, numa escala que vai de 1 a 14'.
Em São Paulo, esse índice chegou a 11. Realmente, tem feito um calor da porra por aqui, durante toda a semana - uma coisa insuportável nessa cidade que, definitivamente, não está preparada pra isso.

Mas tanto ou quase tão insuportável, é a recorrência do tema, onde quer que se esteja. Você entra no elevador, o executivo que sofre no terno e gravata logo comenta: 'Que calor, hein?'. Vai no supermercado, o caixa puxa assunto: 'Tá quente demais!'. O porteiro do prédio não deixa por menos: 'Hoje, soube que vai chegar nos 37 graus'. A insistência de todos, em qualquer lugar, parece apenas aumentar a sensação de desconforto. Confesso que tenho até preferido ficar sozinho em casa, pra não ter mais que ouvir nenhum comentário sobre isso. Mas daí você entra em um blog de 'amenidades' e encontra o cara divagando sobre a mesma coisa... Desculpe gente, mas acho que uma das consequências dessas altas temperaturas, ao menos em São Paulo, deve ser a de embotar o cérebro, fritar os neurônios, inibir a criatividade. Vou enfiar a cabeça embaixo da água gelada e volto depois.

domingo, 1 de março de 2009

Pra começar bem a semana

Elis & Hermeto em jam session no Festival de Montreaux, Suíça, 1979. Sem ensaio, sem nada combinado, improviso total. Hermeto havia aberto a noite com sua banda, em apresentação antológica, arrebatadora. Elis veio depois, com seu grupo comandado por César Camargo Mariano. Subiu ao palco tensa, parece que por conta de um desentendimento com o marido. Não gostou do show que fez, tanto que não autorizou o lançamento daquela apresentação em disco, coisa que aconteceu somente após sua morte. Hoje sabemos que tratava-se de um excesso de preciosismo da cantora, já que há ali momentos absolutamente sublimes. O Lp duplo original (hoje disponível em CD)inclui as três músicas que ela e Hermeto tocaram juntos, no final da noite: 'Asa Branca', 'Garota de Ipanema' e essa do vídeo abaixo, 'Corcovado'. Incrível como Elis, tida por alguns idiotas da obviedade como uma artista careta e convencional, não se perde nunca, ou melhor, flutua com absoluta naturalidade pelas 'armadilhas' harmônicas e ritmicas preparadas por Hermeto no decorrer da música. No final, dá pra perceber que, ao abraçá-lo, Elis diz pro Hermeto: 'filho da puta!'. Hahaha, sensacional!