sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Musas de Qualquer Estação


Grande dama do cinema francês, símbolo de elegância e talento, Catherine Deneuve nasceu em Paris, em 22 de outubro 1943. Filha de atores, estreou no cinema com apenas 14 anos, mas só despontou mesmo em 1964, com seu inesquecível desempenho em Os Guarda-Chuvas do Amor, de Jacques Demy. No ano seguinte, viveu a atormentada Carole Ledoux em Repulsa ao Sexo, de Roman Polanski, e alcançou a fama mundial como atriz cult e símbolo da beleza francesa, com os papéis vividos em A Bela da Tarde (1967) e Tristana (1970), duas obras-primas de Luis Buñuel. Antes, em 69, ela havia protagonizado A Sereia do Mississipi, de François Truffaut, com quem também filmaria O Último Metrô, em 1980. Atuou ao lado de todos os ícones do cinema francês – Yves Montand, Jean-Louis Trintignant, Alain Delon, Jean Paul Belmondo... - e viveu grandes romances com Roger Vadim, David Bailey (fotógrafo de moda que inspirou o personagem de ‘Blow-up’, de Antonioni), Truffaut e Marcello Mastroianni, pai de sua filha Chiara, também atriz.

Em 1983, Deneuve formou um dos vértices do tórrido triângulo vampiresco/amoroso, completado por David Bowie e Susan Sarandon, no interessante Fome de Viver (de Tony Scott). Ganhou diversos prêmios Cesar (o Oscar francês), um deles pelo belíssimo Indochina (de Régis Wargnier, 1992). Outros destaques mais recentes em sua carreira cinematográfica: Dançando no Escuro (de Lars von Trier, 2000), Oito Mulheres (de François Ozon, 2002, e com Isabelle Huppert, Emanuelle Beart e Fanny Ardant, entre outras) e Um Filme Falado (de Manoel de Oliveira, 2003, e com John Malkovich). No Brasil, acaba de estrear Um Conto de Natal, comédia francesa de humor negro dirigida por Arnaud Desplechin e em que, pelo que soube, Catherine Deneuve está excelente. Sem dúvida, uma ótima sugestão pra quem ficar por aqui neste final de semana.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

A hora é agora!


“Eu e Lula nos entendemos. Ele diz algo que faz sentido. Muitos falam muito e não dizem nada. Precisamos do Brasil para a regulamentação do fluxo financeiro mundial." – Nicolas Sarkozy, na Folha Online.

“Uma das prioridades de Hillary Clinton à frente do Departamento de Estado será a América Latina em geral, e o Brasil em particular. Há um enorme potencial para trabalharmos com outros países – Brasil, por exemplo, que de certa forma está adiante de nós em estratégias energéticas.” - Barack Obama, em entrevista à revista Time.

“… Acho positivas as políticas de desenvolvimento do governo. Programas como o Bolsa Família, por exemplo, são inovadores e difíceis de implantar. Na verdade, não encontrei nada similar, com tamanho sucesso, em nenhum outro lugar do mundo, com exceção talvez da China. Os dois países estão criando um mercado interno muito forte por conta disso. E por fim, a diplomacia: acho o Itamaraty incrivelmente sofisticado, na maneira com que lida com questões de comércio.“ – Parag Khanna, consultor de política externa de Barack Obama, em entrevista à Folha de São Paulo.


É, eu sei: a crise econômica mundial – motivada pelo verdadeiro ‘puteiro’ em que se transformou o jogo financeiro nos Estados Unidos -, as muitas declarações alarmistas vindas de várias direções, a continuada situação de penúria e injustiça na África, o aparentemente insolúvel rolo descomunal no Oriente Médio, o fanatismo religioso de várias faces e cores, a crescente deterioração do meio ambiente... são todas elas, questões mais do que preocupantes. Mas, por incrível que pareça, estou otimista para 2009. Pra falar a verdade, até gostei da explosão dessa crise – realmente, algo tinha que acontecer: não dava mais pra seguir em um mundo totalmente dominado pela ciranda financeira dos poderosos. Colocar essa porcaria de modelo em cheque é essencial para que venha uma nova ordem. Pra completar, a eleição de Barack Obama, as declarações acima e os bem sucedidos dois mandatos de Lula, deixam o Brasil numa posição privilegiada, inédita, no cenário mundial.

Mas para isso se realizar, é fundamental a sequência desta filosofia de governo. Antecipando o ano novo, este blog alinha-se, desde já, à campanha de Dilma Roussef para a presidência.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Madonna nos jornais, na TV, no estádio, na cama

Hoje começa: Madonna leva ao Estádio do Morumbi, por três noites, a megaprodução 'Sticky & Sweet'. Ou seja: semana que vem, estaremos finalmente livres dessa overdose, desse verdadeiro massacre midiático em cima e em torno da insistente, megalômana e transbordante loira. Dou aqui minha contribuição: há 15 anos, assisti no mesmo estádio ao 'Girlie Show', na primeira vez que ela esteve aqui. Não fosse convidado, não iria, mas gostei do que vi: era um espetáculo muito bem feito, divertido e com soluções criativas - extremamente competente no geral, embora de música mesmo, tenha ficado muito pouco. Não fui convidado agora; portanto, não vou. Mas reproduzo aqui, como registro arqueológico e para quem interessar possa, a matéria que fiz para o Jornal da Tarde em 19 de julho de 1991, quando do lançamento do filme 'Na Cama com Madonna'.




Na Cama com Madonna não surpreende por despertar polêmicas a partir das atitudes ou declarações da cantora; tampouco, os 115 minutos do filme revelam qualquer tecnologia revolucionária. O filme é especial porque ousa mostrar Madonna e sua trupe na turnê mundial Blond Ambition, sem retoques ou adaptações convenientes a uma artista que evidentemente deseja continuar no topo do milionário mercado (conservador) da música popular.

Só nos últimos cinco anos, Madonna vendeu mais de 100 milhões de discos e acumulou uma fortuna que, segundo a revista Forbes, ultrapassa os 125 milhões de dólares. Se fosse uma artista previsível, teria gasto o dobro dos US$ 3,5 milhões que reservou para a produção do filme para contratar um diretor da moda, como David Lynch ou Spike Lee, e simplesmente levar às telas a reprodução fiel de seu show, com algumas poucas e inofensivas cenas de bastidores. assim fizeram os Rolling Stones no filme 'Let's Spend the Night Together' (de Hal Ashby) e também o grupo que acompanhava Bob Dylan, The Band, em 'The Last Waltz' (de Martin Scorsese). Mesmo os irlandeses do U2, apesar de chamarem um diretor praticamente desconhecido (Phil Joanou), também não foram muito além do formato convencional em seu 'Rattle and Hum'.

Sem discutir a qualidade dessas produções e deixando de lado as comparações estéticas e artísticas, o que chama a atenção em 'Na Cama com Madonna' é a quebra da monotonia que geralmente cerca os rock movies; pela primeira vez, uma estrela de primeira grandeza é mostrada sem maquiagem, acordando de mau humor após uma noite mal dormida; em outro momento, o público pode presenciar a face pouco atraente da cantora tirânica que destrata inapelavelmente toda sua equipe de som por causa de um pequeno problema no microfone; e mais adiante, a famosa femme fatale é mal sucedida em sua investida sobre o ator espanhol Antonio Banderas.

Outra ousadia da loira ambiciosa foi escolher Alek Kershishian para dirigir seu filme. Americano de origem armênia, formado pela Universidade de Harvard, Alek, aos 26 anos, nunca havia dirigido um longa-metragem; sua experiência se limitava a alguns poucos e inexpressivos videoclips de gente como Elton John e Eddie Brickell.

Madonna levou Alek ao Japão, em março de 90, para filmar o início da turnê; seguiram-se quase seis meses de viagens entre Europa e América do Norte e 250 horas de filme. A ênfase, que a princípio seria dada aos shows - que foram filmados em cores, com 22 câmeras de 35mm - transferiu-se para as cenas feitas com apenas duas câmeras de 16mm, em preto e branco, nos camarins, hotéis e aeroportos. E aí está o charme do filme: no momento da ampliação, as cenas gravadas em 16mm ganharam uma belíssima granulação que oferece um tom quase irreal a coisas tão corriqueiras como um simples exame de garganta ou uma banal entrevista com os bailarinos da trupe.

Depois disso, foi só rechear o roteiro com alguns ganchos emocionais infalíveis, como o encontro de Madonna com seu pai ou a visita ao túmulo da mãe em Detroit. Embora, nesse momento particular, o filme escorregue para a pieguice barata, a cena se justifica no contexto mais amplo do clima pesado que cerca o concerto de Madonna em sua cidade natal. Nessa hora, é impossível não lembrar da última meia hora do filme 'A Rosa' (de Mark Rydell), onde a personagem vivida por Bette Middler entra em terminal parafuso. Isso torna evidente a velha máxima hollywoodiana, que está incomodamente presente nas entrelinhas durante todo o tempo de duração de 'Na Cama com Madonna': a terrível e histórica solidão e infelicidade das estrelas. Madonna não foge à regra - apenas, felizmente, pertence a um tempo em que as divas não afogam suas mágoas em bebidas e barbitúricos. Como legítima estrela do final do século, Madonna prefere o sexo e a aeróbica.

Por falar nisso, a coragem de Madonna em realizar um filme que, nestes terríveis tempos de obscurantismo gerado pela Aids, fala basicamente de homossexualismo, merece aplausos: o contraponto entre seus seis bailarinos gays e o único hétero, Oliver Crume, é explorado com sensibilidade. Além disso, as cenas que chocaram os moralistas ao redor do planeta, como a já clássica simulação masturbatória no palco (enquanto canta "Like a Virgin"), o sexo oral com a garrafa de água mineral, ou a teatralidade do jogo sexual com seus bailarinos durante os shows, ficam no terreno saudável da diversão e do descompromisso. Ou seja, Madonna encara o sexo da maneira exata: sem culpas, tabus ou preconceitos. Sem dúvida, isso sim deve chocar muita gente. Mas cenas como a chegada inesperada da polícia no show de Toronto, a engraçada presença quase muda de Warren Beatty durante boa parte da fase americana da turnê, a passeata gay em Nova York, a festa oferecida pelo diretor Pedro Almodóvar em Madri, e o encontro de Madonna com Kevin Costner divertem a platéia e garantem a porção mundanité do filme.

É claro que 'Na Cama com Madonna' é uma produção nascida do exacerbado egocentrismo e narcisismo da estrela, mas merece ser vista acima de tudo porque, depois dos vários papéis que já representou no cinema - com destaque para a provocante Breathless Mahoney em 'Dick Tracy' -, Madonna consegue levar para as telas a plenitude de sua mais elaborada e melhor personagem: ela mesma.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Joga bosta na Geni!


Em entrevista coletiva ontem, em Bagdá, um jornalista iraquiano tirou os sapatos e jogou na direção de George Bush, que fez neste final de semana a sua última visita ao Iraque na qualidade de presidente dos EUA. Na cultura muçulmana, jogar os sapatos em alguém é o máximo da ofensa, da agressão; é tratamento reservado às pessoas absolutamente desprezíveis.

Exagero? Acho que não. Afinal, Bush pode se dar por satisfeito por não ser enterrado por uma montanha de calçados infantis, pertencentes às (dezenas? centenas?) de milhares de crianças que a guerra já matou.

O número 'oficial' de mortos no Iraque, desde a invasão americana, alcança os 400 mil. Extra-oficialmente, fala-se em 1 milhão de mortos - 60% deles civis; e destes civis, a metade é formada por crianças. Um cenário pavoroso que nós, daqui do outro lado do mundo, não temos nem condições de avaliar. E tudo em nome do que, hein seu Bush? É o horror, é o horror...

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Da vida moderna


Caroline Pivetta da Mota, 23 anos, está presa há mais de quarenta dias. Carol da Susto's, como é conhecida pelos amigos, foi uma das cerca de 40 pessoas que, no dia 26 de outubro, pichou as paredes da 'Bienal do Vazio', como ficou conhecida a insípida e verdadeiramente esvaziada última edição do evento que já foi famoso no mundo todo. 'Picho para o povo olhar e não gostar', foi uma das declarações de Carol. E outra da moça: 'A gente não queria estragar as obras, mesmo porque não tinha obra. A obra nós é que íamos fazer.' Ontem, o ministro da cultura Juca Ferreira ligou pro governador Serra e pro presidente da Bienal, Manoel Francisco Pires da Costa, pedindo a 'intervenção imediata de ambos para a soltura da menina'. Ao ouvir respostas simpáticas porém evasivas, disparou: "É um escândalo uma pessoa ficar presa esse tempo todo porque fez uma intervenção gráfica. Caso ela não seja libertada, o ministério vai deflagrar uma segunda fase, dando assistência jurídica a ela, no sentido de garantir a sua defesa'. A atual advogada de Carol disse que ela só continua presa por não ter conseguido comprovar residência fixa, tampouco ocupação legal. Dependendo do julgamento, Carol pode ficar presa até a próxima Bienal, em 2010, já que foi autuada no artigo 62 da lei de crimes ambientais, que prevê pena de um a três anos.



Interessante esse caso, pela quantidade de questões que levanta: a eterna discussão grafite x pichação, a validade da intervenção na Bienal do Vazio, a pinimba entre os poderes federal/estadual, o conceito de 'intervenção gráfica', o ridículo da comprovação de residência fixa/ocupação legal. Aqui deu só esse post, mas acho que daria pra fazer um longa, só com essa história...

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Tu és forte, tu és grande!



Mais uma vez, São Paulo campeão. Nem vou ficar aqui exaltando o óbvio, dizer que o clube é um oásis de mínima organização, planejamento e honestidade em meio à lamentável bagunça e à roubalheira que pulula naquilo que está entre as coisas que o brasileiro melhor sabe fazer: jogar futebol. E apesar do São Paulo, não tenho mais ido aos estádios; confesso que perdi a paciência de ser roubado, maltratado, desrespeitado e achacado nos estádios brasileiros de futebol, com suas péssimas condições - e do seu entorno -, da burrice/brutalidade da polícia, da ignorância perigosa/destruidora dos torcedores (vítimas, é claro, mas prontos a nos fazer vítimas deles também). E nisso, o São Paulo tem sua culpa também: embora tenha melhorado um pouquinho, o Morumbi também é um estádio que não oferece o mínimo de conforto e respeito por quem paga (caro) para assistir aos jogos. Desde que comecei a ver que minha irritação aumentava e com isso, minhas chances de ser preso ou de levar uma surra (da polícia ou de outros torcedores) cresciam na mesma medida, tomei a prudente decisão de não ir mais.



Outra coisa, que sei que vai causar uma polêmica do cacete: agora, tantas vezes campeão brasileiro, continental e mundial, 'por cima da carne-seca', pra mim é a hora certa pra acabar com essa chatice preconceituosa dos adversários chamarem os são-paulinos de 'bambi'. Assim como os flamenguistas adotaram o urubu e os palmeirenses, o porco (bichinhos bem menos simpáticos...), proponho que os são-paulinos encampem o bambi. Acho que, nesses tempos do 'politicamente correto', pode ser ótimo para uma equipe que é parâmetro de sucesso e de inovação no futebol brasileiro, dizer que a ala gay é super bem-vinda, que aceitamos todos. Que venham e que fundem a torcida Bambi-Tricolor - pelo fim dos preconceitos, pelo fim da hipocrisia, pela liberdade para as borboletas! Já pensou que bacana? Acho que teria repercussão internacional! Puta ação legal e, ao mesmo tempo, grande jogada de marketing!

PS: na cena acima, do famoso Bambi de Disney, o personagem principal encontra-se com o gambá que, por acaso, tem o nome de Flor, hehe...

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Musas de Qualquer Estação


É a mais bem sucedida artista da música brasileira de qualidade, nas últimas décadas. E muito interessante: a trajetória de Marisa Monte revela, indiretamente, muito da fragilidade, da preguiça e da indigência cultural daquela parte da população brasileira que se julga a mais ‘antenada’, a mais ‘inteligente’ e a mais ‘formadora de opinião’. Ou seja, nós mesmos. Eu, você que me lê, nossos amigos próximos e nossos conhecidos distantes mas nem tanto. Explico porque, mais adiante.

De família da classe média-alta carioca, Marisa passou a infância e a adolescência alternando o estudo de música clássica com a convivência entre os sambistas da Portela, uma das paixões de seu pai. Aos 16 anos, circulava pelas lojas ‘descoladas’de Ipanema e do Leblon, vendendo as bijuterias que ela mesma produzia. Aos 19, Marisa foi pra Roma estudar belcanto; aguentou apenas dez meses do curso e passou a cantar música brasileira em bares da capital italiana; num desses shows, foi assistida por Nelson Motta e a ‘roda começou a girar’...

A incrível capacidade para ‘estar no lugar certo na hora certa’, a esperteza e a excelente rede de contatos de Nelsinho... era tudo o que Marisa Monte precisava. De volta ao Rio, com produção impecável e um eficiente boca-a-boca, Marisa Monte se transformou em ‘cult’ – seus shows em locais como o Mistura Fina eram disputados a tapa. Sucesso de público e crítica, antes de lançar qualquer coisa – algo muito difícil naquela era do vinil, pré-Internet. O primeiro LP saiu em 1988, gravado ao vivo e registrado em película por ninguém menos que Walter Salles Jr. ‘Bem se Quis’(versão de Nelson Motta para um hit romântico da música italiana) estourou no país todo e Marisa Monte virou a estrela do momento. A partir daí, aquele público ‘cult’ já começou a torcer o nariz... Eles odeiam o sucesso, detestam ter que ‘dividir’ seus queridinhos com a massa ignara...

No disco seguinte, ‘Mais’(1991), Marisa mostrou que era capaz de fazer um grande disco, ‘liberta’ de Nelson Motta. Foi nessa época, trabalhando para o Jornal da Tarde, que tive oportunidade de conhecê-la. Viajei para o Rio e entrevistei Marisa, por cerca de duas horas, nos estúdios da EMI-Odeon. Saí impressionado com a clareza de objetivos, com a sinceridade do seu talento, com a simpatia natural da moça. No táxi de volta ao aeroporto, me ocorreu que Elis Regina já poderia descansar em paz: surgia ali uma sucessora... uma cantora brasileira que reunia, finalmente, talento artístico, competência profissional e inteligência.

Acho que estava certo: a partir de então, sem deslumbrar-se com o sucesso ou perder o fio da meada, e amparada pela eficiência comercial do empresário Leonardo Netto (que foi meu chefe na Warner), Marisa começou a construir uma sólida carreira internacional e a manter uma distância segura da ‘mídia de celebridades’(argh), evitando a super-exposição, dosando com maestria suas aparições na mídia e em turnês - cada vez melhor produzidas, ao lado de músicos sempre competentes e cercando-se de concepções inovadoras de luz e cenário. O disco seguinte, ‘Verde, Anil, Amarelo, Cor-de-rosa e Carvão’ (1994), mostrava consistência e alta qualidade de repertório e interpretação, juntando Laurie Anderson e Paulinho da Viola em incrível uniformidade. Depois, ‘Barulhinho Bom’ (1996), disco e turnê, mostraram uma Marisa Monte que se reciclava, mostrando-se cada vez mais segura como compositora e bebendo da saudável fonte hippie-bagaceira dos Novos Baianos. Foi mais um acerto, e que ainda contou com a ousada capa com desenhos do nosso icônico (opa!) Carlos Zéfiro; a capa, aliás, foi proibida nos Estados Unidos, hehehe...

Diversificando sua área de atuação, Marisa Monte fundou seu próprio selo, Phonomotor, e desenvolveu trabalho belíssimo, comovente mesmo, com a Velha Guarda da Portela. Participou de shows ao lado dos ‘velhinhos’ e produziu o excelente ‘Tudo Azul’ (2000), CD que foi um presente para muitos deles - que ali realizaram a sua primeira e última gravação. Esse trabalho de Marisa ainda resultou no recém-lançado documentário ‘O Mistério do Samba’, dirigido por Lula Buarque de Holanda e Carolina Jabor e pré-selecionado para o Festival de Cannes. Em 2000, Marisa lançou o CD ‘Memórias, Crônicas e Declarações de Amor’, de nível um pouco inferior aos anteriores, mas certamente não-merecedor do buraco negro em que foi jogado pela tal suposta ‘minoria pensante’ – apesar (ou por causa) do grande sucesso de público. Logo depois, em 2002, Marisa produziu ‘Omelete Man’, excelente CD do caótico e brilhante Carlinhos Brown. E foi ao lado dele e de Arnaldo Antunes que Marisa lançou, no final daquele ano, o CD e DVD ‘Tribalistas’, sucesso absoluto que marcou o rompimento definitivo da tal ‘intelligentsia’ com a artista. Pois é, a partir do ‘Tribalistas’, virou moda falar mal de Marisa Monte – os cadernos dito culturais, o público ‘moderninho’ e os círculos mais ‘cultos’ transferiram para ela as suas frustrações e complexos. Marisa Monte virou a Geni da vez... impressionante. Agora, vou dizer: ‘Tribalistas’, o CD, e principalmente, o DVD, são excelentes. É um trabalho delicado e dedicado, riquíssimo em detalhes e em soluções sonoras inusitadas e criativas – a junção das vozes de Marisa, Brown e Arnaldo funciona à perfeição; e me fez até gostar um pouco do Arnaldo, vejam só...

Após quatro anos de sumiço quase total (a inteligência da auto-preservação...), Marisa Monte reapareceu em 2006, não com um, mas com dois CDs de músicas inéditas – ambos muito bons, ambos surpreendentes: ‘Infinito Particular’ e ‘Universo ao Meu Redor’. A longa turnê de lançamento, que rodou o mundo até há pouco tempo, quando a cantora entrou em mais uma fase de ‘retiro’, mostrou, além da cantora e da compositora, a Marisa Monte instrumentista, revezando-se pelo violão, guitarra, cavaquinho e até trumpete. Trazia ainda, uma interessante formação musical, juntando no palco violões, cello, violino, fagote, trumpete e percussão de samba – e tudo emoldurado por uma solução de luz e cenário que está entre as mais simples e criativas que já vi. É pouco ou quer mais?

Então aí vai: com seu nariz pronunciado, sua estatura exagerada (que acaba gerando uma postura meio ‘curvada’), suas mãos e pés grandes demais, sua tendência à ‘monocelha’, Marisa Monte está longe de se encaixar nos padrões de beleza. Sinceramente? Marisa Monte é feia. Mas é linda. Marisa Monte? Totalmente musa!

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Consumismo, crise, tragédia...



Excelente artigo do Marcelo Coelho na Folha Ilustrada de ontem.
Destaco alguns trechos:

“Sexta-feira passada, dia de liquidações gigantes nos EUA, um funcionário da Wal-Mart morreu pisoteado pela multidão torrencial que invadia a loja em busca de produtos com desconto. Tanta correria para as compras, em tempos de crise, até que se explica. Os descontos foram maiores do que de costume, uma vez que as empresas já temiam uma queda de faturamento. Os consumidores americanos, por outro lado, resolvem aproveitar o que podem, enquanto não chega o pior. No meio disso, não deixa de ser chocante o apelo que as autoridades lançam à população: gastem mais! A ordem é consumir. Só assim, acredita-se, a economia sairá da crise, eliminando–se as famosas ‘poças de liquidez’. Não é preciso ser Bin laden ou Bento 16 para perceber que alguma coisa está errada nessa estratégia”.
...
“A ganância é geral. Quem se endividou para comprar casas financiadas a preço de banana estava certo de fazer um grande negócio. As vítimas do sistema dançaram a música do sistema. Foram iludidas, é claro. Precisam ser salvas. Mas será racional ajudar as montadoras para que produzam mais carros, quando é evidente que nem o planeta, nem o mais humilde bairro de Lagos, na Nigéria, suporta mais trânsito nas ruas?

Passo para uma das fotos mais impressionantes da tragédia de Santa Catarina. Com água até o peito, pessoas que perderam tudo pegavam o que podiam num supermercado: garrafas de cerveja e caixas de alimento boiavam ao alcance da mão. Ninguém agiria de modo diferente. A sobrevivência estava em jogo. Mas a foto não ilustra apenas uma reação de desespero na catástrofe. É também símbolo de um estado de desequilíbrio permanente entre consumo e preservação da natureza, entre o ‘salve-se quem puder’ imediato e o ‘percam-se todos’ a longo prazo, que caracteriza o nosso modo de vida.


Se a ocupação urbana desordenada foi a causa estrutural da tragédia em Santa Catarina, coisa muito pior está anunciada em Jacarta, na Indonésia, segundo leio na ‘IstoÉ’. Estão construindo prédios gigantescos por lá. Acontece que o terreno não aguenta o peso de tantos andares. Quantidades preocupantes de água são extraídas do subsolo; a cidade afunda 5cm por ano. Calcula-se que daqui a 40 anos ela desaparecerá. Quarenta por cento de Jacarta está abaixo do nível do mar; marés descontroladas e chuvas torrenciais não faltam ali. Evidentemente, com a crise, devem estar pensando em pacotes de estímulo à construção civil...”
...
“Em todo território americano, construíram-se casas sem que os compradores tivessem, de fato, dinheiro para pagá-las. Nas encostas de Blumenau, e sabe-se lá de quantas outras cidades brasileiras, montaram-se casas sem pensar nos riscos de deslizamento. Em Jacarta, empilham-se toneladas de concreto sobre um terreno oco”.
...
“Na sociedade de consumo (diz o sociólogo polonês Zygmunt Bauman), diminui o espaço de tempo entre a vontade e a sua realização. Mais do que isso, diminui o prazo entre o nascimento da vontade e a sua morte. Compramos não para consumir, mas para nos livrarmos da vontade de comprar.

É evidente que se trata de um comportamento destrutivo; crises e catástrofes terminam parecendo, desse ângulo, o momento em que destruição e consumo colidem num único instante fatal. A foto do supermercado inundado, com o consumidor, que também é vítima, dando braçadas entre produtos e lama, é uma imagem dolorosa da situação”.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Queime antes de ver...



Muito bom 'Queime depois de ler', novo filme dos irmãos Joel e Ethan Coen; pra mim, melhor do que o anterior - o elogiadíssimo e premiadíssimo 'Onde os fracos não tem vez', violento e depressivo demais para o meu gosto atual. É verdade que a desesperança também está presente no novo filme, mas agora de forma sutil, a partir de um olhar bem humorado, com fina e elegante ironia. Os personagens, sem exceção, são na verdade tristes figuras, todas elas meio perdidas, frustradas e atônitas perante um mundo que parece exigir o que elas não podem dar: é a mulher capaz de qualquer coisa pra conseguir o dinheiro para um 'extreme makeover' (sem realmente precisar disso), é o policial bonitão que queria ser um herói/matador de bandidos, mas que parece nunca ter ido além das funções burocráticas; é o veterano funcionário da CIA que se ilude, imaginando ter grandes segredos pra revelar. E são as próprias instituições, mostrando-se totalmente despreparadas e inaptas. Nesse mundo louco, recheado de incompetências e (in)felizes coincidências, é incrível constatar como tudo pode dar completamente certo... ou não - é a linha tênue do acaso que nos separa do sucesso e do fracasso absoluto, que no mundo dos Coen, pode facilmente ser representado pela 'infelicidade' de uma bala no meio da testa.



A produção é bem sucedida a partir do roteiro, criativo e bem escrito, cheio de ótimas frases; continua com a escolha do elenco, onde é difícil destacar uma só, entre as ótimas atuações de John Malkovich, George Clooney, Frances McDormand e Brad Pitt. E tudo amarrado pela direção segura dos Coen. Em várias cenas, a platéia do cinema divide-se entre o silêncio, a gargalhada, o riso irônico, e o sorriso nervoso - não há um padrão. Isso, por si só, já torna o filme divertido...