sexta-feira, 29 de maio de 2009

Uma cidade: Londres


Estive pela primeira vez em Londres, já faz muito tempo. Fui pra ficar uma semana, fiquei três meses. Era inverno, foram apenas três dias de sol e meu dinheiro acabou rapidinho. Mas me apaixonei pela cidade. Fiquei hospedado no apê de um casal amigo, no bairro de Notting Hill, e não me esqueço das misteriosamente belas noites frias, das ruas vazias envoltas pelo famoso fog... daquele clima 'Jack the Ripper'. As sessões da meia-noite no Electric Cinema, a generosa cerveja preta servida nos pubs mais tradicionais, os shows de bandas iniciantes no Marquee, a deliciosa decadência da Carnaby Street e a juventude londrina, ao mesmo tempo agressiva e ingênua. Pra garantir a cerveja e o sanduba de cada dia, fui 'lanterninha' em alguns shows de rock na Wembley Arena e vendedor de final de semana na feirinha de Portobello Road. Fiz alguns amigos - brasileiros ilegais morando em casas abandonadas invadidas (onde promoviam festas sensacionais), iranianos traficantes, músicos jamaicanos, estudantes moçambicanos, 'dandys' ingleses. Voltei a Londres cerca de 20 anos depois, e em situação totalmente diferente - como executivo de terno e gravata, pra me hospedar por uma semana em um hotel chique, mas extremamente inglês (nada dessas cadeias americanas), instalado numa mansão vitoriana de frente para um dos lados do Hyde Park. Quando cheguei ao Aeroporto de Heathrow e saí pra pegar um taxi, vivi uma experiência inédita: o CHEIRO de Londres, que eu nem desconfiava que ainda resistia em mim, invadiu-me as narinas e me trouxe de volta todas as emoções que tentei resumir acima. A tal da memória olfativa existe!

Sentimento parecido vivi ontem, ao ler a curta,porém sensibilíssima comparação que Tarsila Riso - que passa temporada por lá - fez entre Londres e Paris. Vejam só:

"... Londres é uma cidade incrivel. Uma coisa e uma região nova para se conhecer a cada dia. Londres é viva e intensa. Paris é perfeita, Londres é real. Tenho a sensação de que aqui, as pessoas vivem; em Paris, elas estão apenas de passagem. Prefiro as coisas tocáveis e as coisas reais. Prefiro respirar o ar frio londrino que o ar blasé francês. Prefiro o humor inglês ao charme francês. Prefiro jardins onde as coisas florescem por elas mesmas, do que jardins montados e simétricos".

13 comentários:

anna disse...

que posso dizer?

dois testemunhos de um mesmo lugar, em décadas diferentes, com muita sensibilidade e juventude!

lindo texto, marcio.

Sibila disse...

Neil e Tarsila,
que empáticos e mais do que simpáticos relatos! Nine out ten movie stars make cry.
(O) culto à Rainha: a formalidade e o fato de serem tão ´normais` perto de V. Magestade e menos iluminados e iluministas q parisienses e não sei bem mais o quê, o inglês me parece sempre sob a navalha, prestes a explodir em reais hulligans e em belos rocks e punks.
Beijos

Sibila disse...

Aí em cima: make me cry.

peri s.c. disse...

Cada vez mais recorrente as saudades dessas cidades que ainda não conheci.

Márcia W. disse...

Neil,
concordei com a Tarsila na comparação entre Londo, London e Paris. Comentei da outra vez que a tal da cidade luz não me comove mas Londres nunca sai das minhas listas.
A última vez que estive lá, tão traumatizada com os batavos que não olham nos olhos, ficava "askig directions" só para trocar figurinhas. Numa dessas, fiquei uns 15 minutos num papo etimológico deliciosos com um senhor que me disse que meu albergue ficava 15min de distancia em voo de gavião. E eu, ué, tem que ser gavião? Em português é voo de pássaro, qq um.
E um restaurante japa em Notting Hill chamado Feng Sushi, haha!
Ou seja, troco as chestnuts in blosom de Paris por quqlquer foggy day in London town!

Patty Diphusa disse...

Belos textos, Neil e Tarsila.
Paris, para mim, é uma das cidades que mais favorecem a visão. E Londres uma das que mais favorecem as batidas aceleradas do coração. Vida!!!

bjs

Neil Son disse...

farô, anna! e obrigado pelo 'juventude'.

Neil Son disse...

é sibila, e essa musica do caetano ('nine out of ten' - que aliás é quase 'mais londres' do que 'london london') fala exatamente do bairro de notting hill, citando a portobello road e o electric cinema. e é um dos primeiros reggaes gravados no brasil, sabia? não por acaso: notting hill é (ou era) o bairro que concentrava os imigrantes jamaicanos em londres.

Neil Son disse...

falha no curriculo, peri: uma visita sua à londres é urgente, inadiável.

Neil Son disse...

concordo 100%, marcia! londres é daquelas poucas cidades em que me sinto 'em casa'.

Neil Son disse...

while my eyes go looking for flying saucers in the sky, patty.

jayme disse...

Memória olfativa é porreta, infalível. Não conheci Londres com esse agito da matiné do Cinema Olímpia, da meia-noite do Electric Cinema, do reggae novinho em folha em Portobello Road. Daí, talvez, ter uma memória olfativa da cidade que se desperte nos cheiros de café com leite ou destilados bons demais. Mas o que é essa descrição feita pela Tata? Quem deu a permissão para ela escrever assim? Que delícia.

jayme disse...

Memória olfativa é porreta, infalível. Não conheci Londres com esse agito da matiné do Cinema Olímpia, da meia-noite do Electric Cinema, do reggae novinho em folha em Portobello Road. Daí, talvez, ter uma memória olfativa da cidade que se desperte nos cheiros de café com leite ou destilados bons demais. Mas o que é essa descrição feita pela Tata? Quem deu a permissão para ela escrever assim? Que delícia.