quinta-feira, 31 de julho de 2008

A força do assobio


'Um sonho´, música e letra de Gilberto Gil, 1977.
Mais ou menos a mesma época da foto acima.

Eu tive um sonho
que eu estava certo dia
num congresso mundial
discutindo economia

Argumentava
em favor de mais trabalho
mais emprego, mais esforço
mais controle, mais-valia

Falei de pólos
industriais de energia,
demonstrei de mil maneiras
como que um país crescia

E me bati
pela pujança econômica
baseada na tônica
da tecnologia

Apresentei
estatísticas e gráficos
demonstrando os maléficos
efeitos da teoria

Principalmente
a do lazer, do descanso
da ampliação do espaço
cultural da poesia

Disse por fim
para todos os presentes
que um país só vai pra frente
se trabalhar todo dia

Estava certo
de que tudo o que eu dizia
representava a verdade
pra todo mundo que ouvia

Foi quando um velho
levantou-se da cadeira
e saiu assobiando
uma triste melodia

Que parecia
um prelúdio bachiano
um frevo pernambucano
um choro do Pixinguinha

E no salão
todas as bocas sorriram
todos os olhos me olharam
todos os homens saíram

Um por um
Um por um
Um por um
Um por um

Fiquei ali
naquele salão vazio
de repente senti frio
reparei: estava nu

Me despertei
assustado e ainda tonto
me levantei e fui de pronto
pra calçada ver o céu azul

Os estudantes
e operários que passavam
davam risada e gritavam:

"Viva o índio do Xingu!
Viva o índio do Xingu!
Viva o índio do Xingu!
Viva o índio do Xingu!
Viva o índio do Xingu!"

terça-feira, 29 de julho de 2008

Musas de... alguma estação

É... acho que elas nâo merecem ser, assim... musas de qualquer estação...

Mas elas foram musas por, ao menos, um período. Michelle Philips, ai em cima, foi uma das vozes do Mamas and the Papas. Depois, teve a glória de fazer parte do elenco do glorioso M.A.S.H., de Robert Altman. E depois, sumiu...

Debbie Harry foi a vocalista do Blondie, e era uma figura interessante... saiu pra carreira-solo, teve um certo sucesso e mais recentemente, tentou um revival da banda seminal, mas... o tempo já havia passado.

Nina Hagen era punk escrachada, uma figuraça. Acho que começou sua decadência quando veio ao Brasil e gravou com o Supla. Hoje? Sei lá...

Sinead O'Connor, carequinha ousada - lindo rosto, voz privilegiada e tipo mignon maravilhoso. Em atitude corajosa e inusitada, abandonou a carreira, postou uma mensagem de despedida em seu site: 'Não me procurem mais; se me virem na rua, me respeitem - não peçam autografo, não me encham o saco! Não sou mais artista'

E a islandesa Bjork segue na ativa, é claro, mas... o impacto de sua figura iconoclasta... nunca mais.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Deu na Folha


Coluna da Mônica Bérgamo de hoje:

Ao ter acesso ao relatório dos grampos da Operação Satiagraha, ainda na prisão, o ex-prefeito Celso Pitta ficou decepcionado com seus amigos do escritório de Naji Nahas, que também estavam detidos, por causa do apelido que inventaram para ele. 'Pô, vocês me chamavam de jabuticaba!', disse. 'Pitta, nós estamos presos e você está preocupado com frutas', respondeu um dos funcionários de Nahas, mudando logo de assunto.


Jabuticaba não é aquela frutinha preta por fora e branca por dentro? Ah, sei...

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Teatro sim! Por que não??


É meio difícil explicar, mas conheço muita gente que 'não gosta' de teatro. Tem preguiça, preconceito ou simples implicância, sei lá. E falo de amigos muito próximos, gente bacana, antenada, inteligente; mas que simplesmente não vai ao teatro, há anos! Para estes e também aqueles que gostam e frequentam, aí vão duas recomendações. A primeira é 'A Reserva', texto leve de Marta Góes com Irene Ravache no papel principal, e mais Patrícia Gasppar (pois é, com dois pês...) e Evandro Soldatelli ao seu lado no palco do Teatro Cosipa, no Jabaquara. Patrícia é minha irmã...

A outra, que vi ontem em 'avant-premiére', estréia oficialmente neste final de semana no teatro do Hotel Renaissance. Trata-se de 'A Alma Boa de Setsuan', texto clássico de Brecht com Denise Fraga como protagonista e um elenco que reúne craques como Ari França e Cláudia Melo, além de cenários, figurinos e toda a ambientação, de muito bom gosto e criatividade. As duas montagens, com certeza, valem a pena. Fora, preconceito! Vamos ao teatro!!

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Uma grande resposta



Ter um negro na presidência dos EUA será um avanço espetacular. Obama Barack, agora candidato oficial, já adotou um discurso mais conservador e à direita, certamente no intuito de ganhar a confiança do eleitor médio norte-americano - aquele ignorante, hipócrita, moralista e religioso da pior espécie. Política tem esse lado 'merda' mesmo... Continuo torcendo pela vitória dele; não só porque é evidente que até o urso polar do zoo de Washington seria melhor presidente do que o atual ocupante da Casa Branca, mas principalmente por aquilo que Obama pode representar em termos de avanços em várias áreas, muito além da grave e importante questão racial. Mas ele tem pisado na bola - isso é verdade. Em recente - e rara - declaração sobre o Brasil, disse que 'a Amazônia é muito importante para que seja só dos brasileiros'. Sobre este tema, a Mara, do blog http://levesolto.blogspot.com/ me enviou o excelente texto abaixo, transcrição de uma resposta do ex-governador do DF, ex-ministro da educação e atual senador Cristóvam Buarque, à uma questão feita por um jovem americano sobre a internacionalização da Amazônia. Pedia que ele respondesse como 'humanista' e não como 'brasileiro'. Isso aconteceu em Nova York, em setembro de 2000, durante encontro do State of the World Forum. Mas bem poderia ter sido agora. Vejam só:

"De fato, como brasileiro, eu simplesmente falaria contra a internacionalização da Amazônia. Por mais que nossos governos não tenham o devido cuidado com esse patrimônio, ele é nosso. Como humanista, sentindo o risco da degradação ambiental que sofre a Amazônia, posso imaginar a sua internacionalização, como também de tudo o mais que tem importância para a humanidade.

Se a Amazônia, sob uma ética humanista, deve ser internacionalizada, internacionalizemos também as reservas de petróleo do mundo inteiro. O petróleo é tão importante para o bem-estar da humanidade quanto a Amazônia para o nosso futuro. Apesar disso, os donos das reservas sentem-se no direito de aumentar ou diminuir a extração de petróleo e subir ou não o seu preço.

Da mesma forma, o capital financeiro dos países ricos deveria ser internacionalizado. Se a Amazônia é uma reserva para todos os seres humanos, ela não pode ser queimada ela vontade de um dono, ou de um país. Queimar a Amazônia é tão grave quanto o desemprego provocado pelas decisões arbitrárias dos especuladores globais. Não podemos deixar que as reservas financeiras sirvam para queimar países inteiros na volúpia da especulação. Antes mesmo da Amazônia, eu gostaria de ver a internacionalização de todos os grandes museus do mundo. O Louvre não deve pertencer apenas à França. Cada museu do mundo é guardião das mais belas peças produzidas pelo gênio humano. Não se pode deixar esse patrimônio cultural, como o patrimônio natural Amazônico, seja manipulado e instruído pelo gosto de um proprietário ou de um país. Não faz muito, um milionário japonês, decidiu enterrar com ele, um quadro de um grande mestre. Antes disso, aquele quadro deveria ter sido internacionalizado.

Durante este encontro, as Nações Unidas estão realizando o Fórum do Milênio, mas alguns presidentes de países tiveram dificuldades em comparecer por constrangimentos na fronteira dos EUA. Por isso, eu acho que Nova York, como sede das Nações Unidas, deve ser internacionalizada. Pelo menos Manhattan deveria pertencer a toda a humanidade. Assim como Paris, Veneza, Roma, Londres, Rio de Janeiro, Brasília, Recife, cada cidade, com sua beleza específica, sua historia do mundo,deveria pertencer ao mundo inteiro. Se os EUA querem internacionalizar a Amazônia, pelo risco de deixá-la nas mãos de brasileiros, internacionalizemos todos os arsenais nucleares dos EUA. Até porque, eles já demonstraram que são capazes de usar essas armas, provocando uma destruição milhares de vezes maiores, do que as lamentáveis queimadas feitas nas florestas do Brasil.

Defendo a idéia de internacionalizar as reservas florestais do mundo, em troca da dívida. Comecemos usando essa dívida, para garantir que cada criança do Mundo tenha possibilidade de COMER e de ir à escola. Internacionalizemos as crianças tratando-as, todas elas, não importando o país onde nasceram, como um patrimônio que merece cuidados do mundo inteiro.

Como humanista, aceito defender a internacionalização do mundo. Mas, enquanto o mundo me tratar como brasileiro, lutarei para que a Amazônia seja nossa. E só nossa!"

terça-feira, 15 de julho de 2008

Idiota total. E ótimo!


Ontem fui ver 'Agente 86', a refilmagem da histórica série de TV criada por Mel Brooks e Buck Henry e apresentada originalmente entre 1965 e 1970. Steve Carrell, no papel tornado célebre por Don Adams, está perfeito como o agente secreto trapalhão e ao mesmo tempo, genial; e só a deliciosa Anne Hathaway, como Agente 99 (na série, interpretada por Barbara Feldon), já valeria o filme. Carrel e Alan Arkin (que faz o Chefe) já tinham arrasado em 'Little Miss Sunshine', enquanto Hathaway despontou para o sucesso em 'O Diabo Veste Prada'.

E em meio a algumas cenas muito bem sacadas, destacam-se também as ótimas participações de Bill Murray (como o 'Homem na Árvore') e de James Caan, como um estúpido e alienado presidente dos EUA (claro que não se trata de mera coincidência...).

















Para os fãs da série de TV (hoje também 'históricos', hehe...), há ainda a cabine telefônica-elevador, o cone do silêncio, e o insuperável sapato-fone. 'Agente 86' é um filme totalmente idiota. E hilariante. Exatamente como deveria ser.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Escorregão

Frase de Tarso Genro, Ministro da Justiça:

"Vai ser difícil ele (Daniel Dantas) conseguir provar a sua inocência".

Ué... não é o Estado que precisa provar que o cara é culpado?

sábado, 12 de julho de 2008

Coisa finíssima

Pra embalar o final de semana, a linda interpretação de Corinne Bailey Rae para 'River', uma das muitas obras-primas de Joni Mitchell. No piano, ninguém menos do que Herbie Hancock. Essa é uma das faixas do grande disco lançado pelo pianista em homenagem à Joni. Chama-se 'River: The Joni Letters', e traz algumas das melhores musicas da artista canadense, na voz de cantoras/fãs como Norah Jones, Tina Turner e a brasileira Luciana Souza. Mas o destaque, pra mim, é mesmo Corinne, essa inglesinha de voz suave e sensual cujo CD de estréia (lançado em 2006), é também excelente. Deleitem-se!

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Feriado paulista


No belo final de tarde de ontem, foi sem dúvida um presente para os paulistanos, o show de João Donato e seus muitos convidados no Parque do Ibirapuera. Há que se louvar a obra de Niemeyer (sim, quando ele acerta, acerta mesmo!): o Auditório Ibirapura é maravilhoso em todos os sentidos - a arquitetura, a acústica interior, a sua beleza, por dentro e por fora. A idéia do fundo do palco que se abre para o parque é sensacional e proporciona cenas como essas das imagens.

É claro que o fotógrafo (eu mesmo) não está à altura do cenário, mas ainda assim, vale pelo registro. E a multidão presente ao show, calculada pela Folha em 15 mil pessoas, demonstra mais uma vez a necessidade que os habitantes dessa cidade têm, de eventos gratuitos, de qualidade e ao ar livre. Do show em si, me abstenho de comentar, pois cheguei tarde e fui embora cedo, mas deu pra sacar a qualidade da banda (dirigida pelo feríssima Mario Adnet) e o já costumeiro mau gosto para se vestir, das cantoras Bebel Gilberto, Adriana Calcanhotto e Fernanda Takai.

sexta-feira, 4 de julho de 2008

gilengendraemgilrouxinol


Depois de longo período sem lançar um disco com predominância de músicas inéditas – o injustamente pouco valorizado “Quanta”, já tem 11 anos -, Gilberto Gil prepara a saída do Ministério da Cultura e volta a dar prioridade ao seu lado artista, com “Banda Larga Cordel”. O novo trabalho, que já deve ter chegado às lojas, tem há algum tempo todas as suas músicas disponíveis para audição na Internet, no endereço http://www.bandalargacordel.com.br/. Um dos destaques é a pungente “Não tenho medo da morte”, que Gil já antecipara nos (poucos) shows que fez no ano passado em São Paulo. Assisti a um deles e ao final, conversando com o artista, lhe perguntei o que havia mudado em sua visão sobre a morte, da composição “Então vale a pena” (gravada por Simone há exatos trinta anos) para a atual. Resposta dele: ‘Aquela era uma música pra viver; e essa é de matar... e morrer’. Mera frase de efeito ou sincera expressão da verdade? Mistura das duas coisas, eu acho.



Abaixo, as letras das duas músicas. E melhor: trechos de uma excelente entrevista feita pelo amigo Pedro Alexandre Sanches com Gilberto Gil, cuja íntegra pode ser lida em http://pedroalexandresanches.wordpress.com/2008/06/09/a-flor-e-o-espinho/.

1978

"Então vale a pena"

Se a morte faz parte da vida
E se vale a pena viver
Então morrer vale a pena
Se a gente teve o tempo para crescer
Crescer para viver de fato
O ato de amar e sofrer
Se a gente teve esse tempo
Então vale a pena morrer
Quem acordou no dia
Adormeceu na noite
Sorriu cada alegria sua
Quem andou pela rua
Atravessou a ponte
Pediu benção à dindinha Lua
Não teme a sua sorte
Abraça a sua morte
Como a uma linda ninfa nua

2008

"Não tenho medo da morte"

Não tenho medo da morte
mas sim medo de morrer
Qual seria a diferença
você há de perguntar
É que a morte já é depois
que eu deixar de respirar
Morrer ainda é aqui
na vida, no sol, no ar
Ainda pode haver dor
ou vontade de mijar
A morte já é depois
já não haverá ninguém
Como eu aqui agora
pensando sobre o além
Já não haverá o além
o além já será então
Não terei pé nem cabeça
nem figado, nem pulmão
Como poderei ter medo
se não terei coração?
Não tenho medo da morte
mas medo de morrer, sim
A morte é depois de mim
mas quem vai morrer sou eu
O derradeiro ato meu
e eu terei de estar presente
Assim como um presidente
dando posse ao sucessor
Terei que morrer vivendo
sabendo que já me vou
Então nesse instante sim
sofrerei quem sabe um choque
um piripaque, ou um baque
um calafrio ou um toque
Coisas naturais da vida
como comer, caminhar
Morrer de morte matada
morrer de morte morrida
Quem sabe eu sinta saudade
como em qualquer despedida.

A entrevista

Sobre a ‘reconciliação com a musa inspiradora’

“Foram quatro anos de afastamento negociado com ela. Então, depois de quatro anos, eu comecei a… Primeiro, tinha saudade mesmo, e depois já tinha também mais brechas no tempo. As coisas do ministério estavam andando, a gente já tinha se acostumado com a rotina, muito daquela demanda excessiva do início já tinha passado. Já dava para flertar de novo com a inspiração. E aí, pronto, passei a escrever nas viagens, nos hotéis....Voltou o gosto, voltou a maneira de abordar. Passei também a escrever as letras diretamente no computador, coisa que eu não fazia antes. Isso também foi facilitando, porque em todo lugar, no avião, nos intervalos de qualquer atividade, eu tinha acesso ao computador e aí podia ir processando, copy-paste, ia montando. Tem também isso, a introdução do Word na minha artesania”.

Sobre se a experiência política teria modificado a sua música

“O desejo de me comunicar, o impulso de me comunicar através da canção é informado pelos mesmos elementos de antes. É uma coisa do próprio artista, que vem da vivência interior desse talento, desse gosto. Depois uma coisa informada pela cidadania também, que é o desejo de me comunicar em termos de diálogo em relação às questões que nos envolvem no mundo. Isso já era também, sempre foi antes. Essa dimensão política da canção sempre teve na minha geração toda e em mim também, muito fortemente. Continua, nas gerações de hoje, nos rappers. A música ganhou essa coisa, acho que isso vem logo depois da guerra. Os autores americanos, cubanos, franceses etc., e depois os brasileiros, passaram a ter essa dimensão de engajamento, como a arte toda passou a ter. É uma característica ali do século XX, que a arte passa a ter, mesmo as artes plásticas e tudo. Então não tem, já vinha anteriormente. Algumas coisas que coincidentemente estão na agenda do MinC, como a questão da cultura digital, acabaram passando também. A canção Banda Larga Cordel é bem marcada por essa informação da política, de uns aspectos da política do ministério. Mas fiz Pela Internet bem antes, com esse mesmo impulso e esse mesmo senso de comunhão de um desejo, de uma emergência. Acho que eu teria ido para o caminho da canção Banda Larga Cordel mesmo sem o ministério. Mas, sem dúvida alguma, nesse caso ela compartilha de um impulso que está também na política do MinC, e do governo todo, que é a preocupação com o acesso aos meios eletrônicos e às várias políticas, tanto na cultura quanto em ciência e tecnologia, comunicações. O software livre, que era uma política que já estava ali no governo, não só no MinC… Nesse sentido, sim. O resto, não”.

Sobre a presença de temas ‘ásperos’ no novo disco

“Talvez tenha agora um impulso de dizer coisas mais… de nos associar mais à aspereza. Talvez, né? Isso também é um pouco a autorização geral que a arte contemporânea dá, não é? Tudo que nos momentos anteriores era ousadia, vanguardista, antecipação para além do seu tempo, coisas assim, hoje, não, é quase como se a gente estivesse dizendo: olha, também estou aqui, não se esqueçam de mim, eu também compartilho tudo isso, essa hiperexposição, essa tranqüilidade em tratar das coisas ásperas, em assumir as dificuldades do mundo de hoje, com as quais temos de conviver... A gente quer embelezar com a feiúra. Isso é dos artistas, uma coisa que é da arte. As artes plásticas, nos seus momentos mais revolucionários do século passado, foram muito explícitas nisso, na distorção, no enviesado, no atravessado. Tudo isso informou as artes plásticas e a própria música, a música experimental, serial, dodecafônica, atonal, eletroacústica. Tudo isso rompeu com o figurativismo bem comportado, onde você só diz das imagens aquilo com que elas já estão conotadas. Ou seja, a boa imagem é a boa imagem e a má imagem é a má imagem. As artes em meados do século XX fizeram um remexido nisso aí, você vê Picasso, tanta coisa bonita que ele passou a querer manifestar através do canhestro, do tosco. Acho que muito do rock’n’roll tem um pouco isso também, especialmente quando se liberaram nas várias correntes, punks e todas essas coisas. Eles são isso, com as guitarras muito sujas, as distorções. A gente teve isso também no próprio tropicalismo, esse ímpeto para desconstruir, desafinar o coro dos contentes... por isso eu digo que toda essa identificação de aspectos não-acomodados, como no Cê, ou na Rita Lee, na verdade somos nós ainda tropicalistas, sempre tropicalistas [ri]. Aprendemos aquelas coisas e não esquecemos mais as lições. De vez em quando a gente vem. E, como eu estava dizendo, agora, neste momento, muito autorizados por esse novo ímpeto…

A saúde da voz

“…nesse disco sou muito contido do ponto de vista de improvisações, da capacidade de improvisar mais efusivamente, um pouco inibida até por causa da minha voz. Esse disco é de abordagem cuidadosa em relação à questão vocal, estou saindo de um período difícil da minha voz... eu era muito abusivo em relação à coisa da voz. Era abusivo por um lado, em relação à qualidade, ao material, à matéria voz, e ao mesmo tempo os impulsos que levavam àqueles abusos eram impulsos muito criativos. Eu fazia muita coisa de usar a voz criativamente, com ruídos, gritos, falsetes extremados e coisas desse tipo. Talvez o que esse disco comece a revelar, é uma tradução desse impulso criativo e desse impulso inventivo através do improviso num uso cuidadoso, num uso mais moderado, cool. Acho o disco todo muito cool. O falsete ficou afetado por essa perda de qualidade vocal. Estou com muito cuidado para ver se isso se restaura inteiramente, ou não. Então nesse disco minha abordagem vocal é toda mais moderada, cuidadosa. Não que nos outros discos não tenha sido assim, nos discos sou muito mais bem comportado que nos shows”.

Sobre o boato de ‘câncer na garganta’

“Não. Não tem, não teve. Já dez anos atrás eu tinha feito também uma intervenção cirúrgica, a mesma cirurgia na mesma corda vocal. Naquela ocasião, procedimento normal, fizeram a biópsia do pólipo que foi extraído, e era benigno. E agora, de novo, fizeram também, e era benigno. Para além das questões do que causa de dificuldade para o uso da corda vocal, não estou doente, a corda vocal não tem um problema… Além do mais tem a questão da idade. Eu não sou mais menino, não sou mais tão jovem quanto o próprio uso. As cordas vocais são músculos, e todos os músculos estão mais flácidos, exigem exercícios mais cuidadosos, mais focados. É o que tenho feito. Tenho feito exercícios vocais, fonoterapia, permanentemente, todos os dias. Hoje saí de casa, já fiz meus exercícios. Faço todo dia, religiosamente”.

A experiência como ministro

“Sem dúvida alguma, esses cinco anos de ministério me deram uma têmpera que eu não imaginava que podia ter. Um estômago, uma capacidade de engolir veneno. Aquilo ali é espinhoso, estar ali. Os meus melhores amigos não me desejavam isso. Todos eles, ao contrário, queriam muito que eu não fosse para lá, que eu não fosse ministro. Todo mundo que zela por mim, que preza por minha saúde…É essa maldição da política. Como se necessariamente estar ali significasse a anulação absoluta de qualquer positividade. É assim, mas não é assim. Você tem que ter também capacidade de transmutação. Aquilo está nas suas mãos. Eu digo sempre, a política também tem que ser uma arte [ri]. O serviço público também, você tem que fazer daquilo ali alguma coisa”.

A política como ‘arte’

“Isso tem que ser proposto e está colocado lá, no texto do Plano Nacional de Cultura. Já acho muito interessante que o País esteja maduro, ou pelo menos esteja se dizendo maduro para ter um Plano Nacional de Cultura construído com essa polifonia, com essa diversidade toda, com protagonismos variados, de vários setores sociais, comprovando uma diversidade cultural veemente que o País tem. Todos os avanços que o País precisa fazer, os deslocamentos que precisam ser feitos. É importante que essa gestão do ministério possa ter ajudado nisso”.

Sai ou não sai do Ministério?

“Eu disse ao presidente que eu só voltaria a conversar com ele sobre isso no ano que vem. Foi quando decidi ficar, em dezembro do ano passado. Quando ele se reelegeu, eu já tinha decidido ficar por um ano mais, fiquei o primeiro ano do segundo mandato e aí fiquei o segundo. Vamos ver... há processos que, devido ao encaminhamento, começam a se automatizar, a se autonomizar. Começam a caminhar sozinhos. As áreas do ministério estão mais tranqüilas, mais bem postas. Mas eu, sem dúvida alguma, estou caminhando para uma coisa de, seja lá quando for, deixar o ministério. Vai ter que deixar uma hora [ri], e pronto, e a idéia é deixá-lo bem, deixá-lo pronto, preparado. O MinC hoje é um ministério mais fortalecido que quando a gente chegou. O que espero é que a gente tenha chegado a um ministério minimamente consolidado, a uma idéia de dimensão estratégica da cultura minimamente introjetada na sociedade, no governo, e que a gente tenha uma série de programas que traduzam isso, que sejam levados adiante. É o que eu espero”.

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Uma cidade: Amsterdam


Foto:Bartek Piasecki

Além de ser uma cidade absolutamente deslumbrante em sua arquitetura, com aquelas 'casinhas de boneca', os canais, as pontes e os museus maravilhosos - dos clássicos/obrigatórios Rembrandt e Van Gogh aos mais relevantes modernos, pós-modernos e o escambau -, Amsterdam virou, já há algum tempo, um dos destinos preferidos da juventude de todas as partes do mundo. O fato de ser uma espécie de supermercado de drogas explica muito, mas não é tudo.

Comecei a simpatizar com a Holanda a partir da Copa do Mundo de 1974, quando o impressionante carrossel holandês de Rinus Michels e Johann Cruyff, assombrou o mundo do futebol. E nesse quesito bola, depois ainda vieram Rudd Gullit, Van Basten, Ryikjard e mais recentemente, Seedorf, Robben e Van Nilsterooy. Há pouco tempo, uma lei liberou a prática de sexo nos parques públicos. E a partir de ontem, é proibido fumar cigarros em locais fechados, mas a maconha continua liberada, hehe. Nos famosos coffee shops de Amsterdam, cardápios como esse aí debaixo fazem a alegria da galera.


Estive lá só uma vez e já faz muito tempo - me lembro que peguei um ônibus e, em apenas 24 horas, rodei o país praticamente inteiro - de Amsterdam a Haia e dali a Rotterdam, passando por inacreditáveis campos de tulipas e incontáveis moinhos de vento. E é uma loucura imaginar que tudo aquilo está vários metros abaixo do nível do mar. A chegada de avião a Amsterdam, vindo de Londres, sobrevoando os diques a algumas centenas de metros da costa, é uma das coisas mais incríveis que já vi.

Voltando a Amsterdam, o lance é alugar uma bicicleta e juntar-se às centenas de milhares de ciclistas de todos os tipos, para pedalar pela cidade completamente plana. Mas se cruzar com a policial ao lado, é bom não se animar muito: além dela não cair em lábia furreca, saiba que as holandesas são lindas na adolescência e na juventude, mas depois ficam todas com a cara (e o corpo) da Rainha Beatrix. Sim, com toda a modernidade e liberalidade, a Holanda é uma monarquia. Esses europeus são mesmo muito esquisitos...

terça-feira, 1 de julho de 2008



"Em um país que é conduzido pelos princípios da razão, a miséria é motivo de vergonha. Em um país que não é conduzido pelos princípios da razão, a riqueza é motivo de vergonha" - H.D.Thoreau