terça-feira, 2 de junho de 2009

Voar... é do homem



Tenho um indisfarçável fascínio por desastres de avião.

Mas antes que me acusem de mórbido, masoquista, desalmado ou coisa pior, já digo que a atração que sinto por esses grandes acidentes aéreos não tem nada a ver com algum tipo de prazer doentio relacionado às vítimas: quem são, o que faziam, porque estavam viajando, as recorrentes histórias dos que iriam naquele vôo mas na última hora não foram, ou os desafortunados que não iriam ou não queriam, mas acabaram por ali estar. Como a maioria das pessoas, não consigo escapar desses relatos humanos que, em ocasiões como essas, inundam jornais, revistas, rádio, TV e internet. Mas o ponto que me liga a esses acidentes é a curiosidade em entender o que realmente aconteceu, como pôde aquele verdadeiro milagre da engenhosidade humana, fracassar de maneira tão retumbante - contra todas as probabilidades, contra todo o histórico. O que fez aquele específico Airbus da Air France integrar, a partir de ontem, a lista das exceções (aquelas aeronaves que, contrariando as estatísticas, insistem em 'cair')?

E sob esse aspecto, esse acidente de ontem é ainda muito mais 'interessante'. Afinal, é a exceção entre as exceções: apenas 6% dos acidentes aéreos ocorrem durante o chamado 'vôo de cruzeiro', quando a aeronave já está estabilizada. Ou seja, em pleno vôo, livre de qualquer procedimento ligado à decolagem ou à aterrissagem. Um bom artigo na Folha de hoje, assinado por Hélio Schwartzman, revela que, de acordo com o Conselho Nacional de Segurança nos Transportes dos EUA, a chance de morrer ou sair gravemente ferido em um acidente aéreo é de 0,00003%. Essa cifra refere-se ao período entre 1982 e 2001, quando os EUA registraram uma média de 120 mortes por ano, decorrentes de acidentes aéreos. No mesmo período, 1000 pessoas morreram por ano, em acidentes com bicicleta, e 46 mil, por causa de desastres automobilísticos. Escreve Schwartsman:

'Assim, para que as mortes em voos de carreira nos EUA alcancem as registradas em acidentes automobilísticos, seria necessário que um Boeing com cerca de 125 ocupantes se estatelasse todos os dias da semana sem deixar sobreviventes. Tais comparações podem até soar tranquilizadoras quando estamos em terra, mas dificilmente reduzem a ansiedade do viajante prestes a embarcar, especialmente se ele já não gosta da idéia de atravessar um oceano a 11 mil metros de altura. De modo análogo, muita gente tem medo de ser devorada por tubarões, mas poucos receiam afogar-se na banheira. No mundo estatístico, entretanto, a possibilidade de o segundo evento ocorrer é 400 vezes maior do que o primeiro'.

O problema é que o mundo estatístico pertence ao racional, enquanto as fobias e emoções em geral estão no plano do irracional. Situação apavorante: você dorme tranquilamente, talvez sonhando que amanhã estará caminhando por Champs Elisèes e tomando um cafe au lait em algum bristô do Boulevard Saint Michel. De repente é abruptamente acordado; o avião, em queda livre, possivelmente lhe dará ainda a chance de alguns segundos (ou terão sido minutos?) de absoluto terror, antes de se espatifar no oceano escuro. Ao imaginar uma cena dessa, fica difícil levar em conta aquela estatística de 0,00003%, não é mesmo?

Bem, do ponto de vista das causas do acidente em si, em meio ao monte de bobagens e absurdos ditos nas últimas horas por pseudo-especialistas, há sempre algo que se salva. Analisando o (pouco) que se tem de informação até o momento, arrisco um palpite: o comandante do Airbus, experiente e soberbo, menosprezou a tempestade à sua frente. Não desviou o curso da aeronave e encarou de frente uma chuva de granizo oceânica, a 11 km de altura. Uma daquelas pedras espatifou o parabrisa do avião, matando instantaneamente piloto e co-piloto, causando uma despressurização violenta, a completa pane elétrica, o descontrole da aeronave, a queda livre.

27 comentários:

jayme disse...

Muito pouco conspiratória a sua teoria.

franka disse...

é, depois que aquele avião se espatifou no wtc e tudo foi abaixo parei de acreditar em estatísticas.

Neil Son disse...

a teoria não quis ser conspiratória, jayme. apenas verossímil.

Neil Son disse...

franka: a estatísticas só são importantes, quando a nosso favor.

Patty Diphusa disse...

Bom, pode até ser mesmo. mas acho que a chance de um avião cair por esses motivos imaginados por vc deve ser 0,000001% não? Bem menos do que um carro indo atrás de um caminhão em uma estrada de terra.

bjs

peri s.c. disse...

Neil
Quando desabou o Metrô lá em Pinheiros, eu e um amigo , engenheiro calculista de estruturas e professor da área, trocávamos abalizados palpites sobre as causas daquela implosão quando ele arrematou a conversa proclamando : " A merda é que as pessoas acham que engenharia é uma ciência exata, e não é."
A engenharia é exata até o momento em que entram em ação as mais variadas e ineperadas versões das Leis de Murphy.
No caso desse acidente provavelemente nunca se saberá qual série de razões que levaram a seu desfecho.

Neil Son disse...

patty: 0,000001% é a possibilidade da abdução por naves alienígenas.

Neil Son disse...

o seu ponto é importante, peri: as pessoas geralmente procuram por UMA razão quando, na maioria das vezes, são MUITAS as razões que determinam um acidente como esse - e algumas dessas razões, certamente ligadas ao imponderável, ao imprevisível, ao inusitado e ao mr.murphy.

Anônimo disse...

acho que foi uma pane elétrica, mas não causada pela tempestade. quem voou nesse mesmo airbus antes, disse que a aeronave já estava "esquisita".. mas sei lá, não entendo nada disso e sou pouco racional nas vezes em que viajo. eu simplesmente entro no avião e penso "seja o que deus quiser", não tem oq ser feito, se cair caiu. e disseram que o pânico demorou uns 14 minutos, digamos, uma eternidade.
beijos, Luisa.

anna disse...

terror puro. mesmo olhando do ponto de vista das estatísicas, não gosto nada de viajar de avião.

googala disse...

o triângulo de Bermudas virou quadrilátero Fernado de noronha: minha explicação.

Neil Son disse...

luisa: tb li sobre esses 14 minutos hoje. mas esse foi o tempo da entrada 'presumida' do airbus na zona de turbulencia até o horario em que o aviao mandou uma mensagem automatica de pane eletrica. acho que o pavor começou mesmo a partir desse ponto, e não deve ter durado mais do que 2 ou 3 minutos. não que isso melhore alguma coisa, mas é uma atenuante.

Neil Son disse...

anna: medo mesmo, eu tenho é de viajar de onibus; ou de navio.

Neil Son disse...

guga: como tudo tem seu lado bom, deve ter sido uma noite inesquecível para a simpática comunidade de tubarões que habita aquela área.

Anônimo disse...

ave maria, o último comentário foi dispensável, seu neil..!!
beijos
luisa

Ana Clara disse...

Tenho muito mais medo de viajar de navio do que de avião. Assistir "Poseidon" me traumatizou para sempre.

Também não sou tão corajosa assim. Sou uma viajante experiente, eu diria, mas meu coração sempre acelera durante pousos e turbulências fortes.
Pousar em Congonhas sem lembrar do acidente da TAM em 2007 é difícil, mesmo tendo em mente que diariamente vááááários aviões pousam lá, e apenas 1 acabou mal.

Silvia disse...

Neil, oscilo entre dois tipos de reação diante destas grandes tragédias. uma emocional, me solidarizando com o terror vivido pelas vítimas; outro, totalmente racional, especulando causas e efeitos. termino no: "c'est la vie..."

Neil Son disse...

é ana clara, aquele acidente da TAM em congonhas foi mesmo pavoroso. se no da air france temos duvidas qto à consciencia dos passageiros, no airbus de congonhas, é 100% certo que todos no avião sentiram e viveram a 'pré-tragédia'.

Neil Son disse...

bê: terminar no 'ces't la vie' é conveniente; especialmente, qdo a vida é dos outros.

peri s.c. disse...

" Lembre-se de que um amador solitário construiu a Arca. Um grande grupo de profissionais construiu o Titanic. " ( Luis Fernando Veríssimo ) Acrescento : e outro grande grupo de profissionais construiu os Airbus.

Enfim começaram as especulações dos técnicos especializados sobre um detalhe dessas maravilhas tecnológicas que são esses aviões franceses : a coleção de computadores que eles levam à bordo e que assumem os controles do avião em situações críticas, não deixando tempo e espaço para eventual ação dos pilotos. Citaram dois casos da Qantas ( australiana )onde felizmente houve tempo dos pilotos desligarem os computadores e agirem.
Ninguém ainda lembrou do esquisito fato dos manetes do TAM acidentado em Congonhas : o piloto tentando arremeter e um dos manetes de motor travado na posição reduzida.
Um especilaista carioca, ontem na GloboNews informou que a caixa preta que grava os procedimentos do avião emite em tempo real informações para o fabricante do avião e para a central da Cia. Aérea. Daí estas informações que estão saindo à base de conta-gotas: turbulência, pane elétrica, descompressão, descendente vertical, etc. Resta saber se vão ( não vão ) liberar tudo.

Silvia disse...

não é questão de conveniência, neil, ao contrário, é o reconhecimento de que existem coisas maiores e mais fortes que nossa ciência não consegue controlar.

mesmo que a força venha de uma somatória de pequenos eventos insignificantes.

Neil Son disse...

tem razão, peri: e agora, surge nova informação, dando conta da estranha variação de velocidade do avião, que pode ter levado o bicho a 'rachar' em pleno ar (!!??)

Neil Son disse...

bê querida: é claro que entendo. relendo, vejo que talvez tenha sido um pouco duro ao te responder. mas não foi a intenção; são os perigos da palavra escrita - muita vezes soa impositiva, definitiva. mas não é o caso.

peri s.c. disse...

Neil
E a patética atuação do Min. da Defesa, dando seu showzinho particular, até com press-release em inglês de sua
" palestra" sendo distribuído à imprensa internacional ( conforme ouvi há pouco no rádio ),e sendo desmentido pela sucessão dos fatos ?

Neil Son disse...

patético, sem dúvida alguma, peri. como também patético o gov do rio, o cabralzinho, na missa da candelaria de ontem, dizendo que a airbus e a air france 'têm de responder criminalmente'. não me consta que algum desses caras seja especialista em aviação ou tenha o dom do julgamento e da condenação sumárias. patético e ridículo mesmo.

peri s.c. disse...

E o Tarso Genro propondo a criação de um " fundo de amparo" ( ou qualquer coisa parecida, ouvi por cima a notícia ) às vítimas ?
Nos acidentes da Gol e Tam no governo ninguém propôs coisa semelhante . Vítimas de voos internacionais em companhias internacionais são mais importantes ?
Um querendo aparecer mais que o outro.
Parece que o virus da midia atingiu até a FAB, conforme noticiou o Estadão hoje, oficiais de maiores patentes se enfiaram nos aviões de busca ....

googala disse...

É...a lei da gravidade ainda não é totalmente dominada por nóis, mortais...