terça-feira, 29 de setembro de 2009

O enólogo e o caipira


- Hummm...

- Eca!!!

- Eca?! Quem falou Eca?

- Fui eu, sô! O senhor num acha que esse vinho tá com um gostim estranho?

- Que é isso?! Ele lembra frutas secas adamascadas, com leve toque de trufas brancas, revelando um retrogosto persistente, mas sutil, que
enevoa as papilas de lembranças tropicais atávicas...

- Putaquepariu sô! E o senhor cheirou isso tudo aí no copo?!

- Claro! Sou um enólogo laureado. E o senhor?

- Cebesta, eu não! Sou isso não senhor!! Mas que isso aqui tá me cheirando iguarzinho à minha egüinha Gertrudes depois da chuva, lá isso tá!

- Ai, que heresia! Valei-me São Mouton Rothschild!

- O senhor me desculpe, mas eu vi o senhor sacudindo o copo e enfiando o narigão lá dentro. O senhor tá gripado, é?

- Não, meu amigo, são técnicas internacionais de degustação entende? Caso queira, posso ser seu mestre na arte enológica. O senhor aprenderá como segurar a garrafa, sacar a rolha, escolher a taça, deitar o vinho e, então...

- E intão moiá o biscoito, né? Tô fora, seu frutinha adamascada!

- O querido não entendeu. O que eu quero é introduzi-lo no...

- Mais num vai introduzi mais é nunca! Desafasta, coisa ruim!

- Calma! O senhor precisa conhecer nosso grupo de degustação. Hoje, por exemplo, vamos apreciar uns franceses jovens...

- Hã-hã... Eu sabia que tinha francês nessa história lazarenta...

- O senhor poderia começar com um Beaujolais!

- Num beijo lê, nem beijo lá! Eu sô é home, safardana!

- Então, que tal um mais encorpado?

- Óia lá, ocê tá brincano com fogo...

- Ou, então, um suave fresco!

- Seu moço, tome tento, que a minha mão já tá coçando de vontade de meter um tapa na sua cara desavergonhada!

- Já sei: iniciemos com um brut, curto e duro. O senhor vai gostar!

- Num vô não, fio de um cão! Mas num vô, memo! Num é questão de tamanho e firmeza, não, seu fióte de brabuleta. Meu negócio é outro, qui inté rima com brabuleta...

- Então, vejamos, que tal um aveludado e escorregadio?

- E que tal a mão no pédovido, hein, seu fióte de Belzebu?

- Pra que esse nervosismo todo? Já sei, o senhor prefere um duro e macio, acertei?

- Eu é qui vô acertá um tapão nas suas venta, cão sarnento! Engulidô de rôia!

- Mole e redondo, com bouquet forte?

- Agora, ocê pulô o corguim! E é um... e é dois... e é treis! Num corre, não, fiodaputa! Vorta aqui que eu te arrebento!...

12 comentários:

anna disse...

sessão de tortura: senta-se numa mesa ao lado dos entendidos de vinho.

tem coisa mais chata? pior que proselitismo religioso!

jayme disse...

Ahahah, muito bom. Com traços frutados, mas encorpado e consistente no retrogosto.

Neil Son disse...

pseudo entendidos de qualquer coisa são sempre chatos, né anna? ainda mais quando querem 'evangelizar'...

Neil Son disse...

retrogosto, jayme? epa! vai falar isso pro caipira aí!

Anônimo disse...

Neil:

AHa,ha,ha,ha,ha,ha,ha!

Me lembrou de "Dona Flor e Seus Dois Maridos",quando Vadinho,no Cassino, oferece Caviar para Flor e ela pergunta que sabor tem.
Êle responde:"O gostinho e o cheirinho do chibiu!"

Günther.

hélio disse...

... é uai... êta trem dificil demais da conta esse povo do vinho, némesmo sôNirsô?... é... num dô conta.

peri s.c. disse...

Ótimo texto.

Insuportável : o enólogo que gosta de música sertaneja.

Neil Son disse...

haha, essa cena é antológica, gunther! só superada por aquela dos 'caralhinhos voadores' nos sete gatinhos do neville.

Neil Son disse...

o mineirim tá mais acostumado com o povo do queijim e do ovim, né helio?

Neil Son disse...

é peri, enólogo e musica sertaneja é uma combinação fatal: a ante-sala do suicídio!

gugala disse...

ahahahaha. ótima

Unknown disse...

zzzzzzzzzzzz. Não tenho a menor paciência pra esse papo de retrogosto de bambu e couro. Se beber, nnao encha o saco!!!
Abz