
Londres, Paris, Barcelona, Nova York, San Francisco, Chicago, Estocolmo... adoro todas essas cidades. Especialíssimas, dignas de muitas visitas. Ao gosto do freguês, cada uma dessas visitas pode ser orientada a partir de um ponto de vista – ‘alta’ cultura, ‘baixa’ cultura, modernidade, tradição... – e o sucesso da aventura estará sempre garantido. Mas nos últimos dois anos, me apaixonei por Berlim. Por toda a história trágica e absurda, ligada à questão do Muro, e pela imagem de frieza do povo alemão, confesso que Berlim não constava da minha escala de prioridades em termos de viagens. No entanto, por felizes coincidências do destino, lá estive por duas vezes nos últimos dois anos e foi sensacional – os museus, as cervejarias, os recantos escondidos, a eficiência alemã (que se sobrepõe à tal imagem de frieza - agora por mim desprezada, como se deve fazer com todo e qualquer preconceito), a dualidade novo/velho na arquitetura, a música na noite fria, o sol da manhã e seu céu límpido, o espírito da cidade e de seu povo. Na segunda visita, em março, o prazer foi ainda maior – me senti quase íntimo da cidade, como quem reencontra um velho amigo. É curioso notar que Berlim parece se envergonhar da parte de seu passado ligado à loucura hitlerista. Este passado é presente, mas o berlinense claramente se constrange, como se diante de um espelho mágico que mostrasse a sua própria imagem acrescida de traços marcantes dos ancestrais. Juntando todas essas impressões, me lembro que meu pai, apesar de pacifista convicto (ou talvez exatamente por causa disso), era apaixonado por tudo o que se referisse à II Guerra Mundial – livros, filmes, gravações, depoimentos, imagens. Muitas dessas imagens, evidentemente, eram de Berlim. Assim, me dou conta de que a cidade já estava em mim, faz parte das minhas lembranças de infância e daquilo que remete ao meu pai. E somente ao perceber isso, consigo entender a emoção que a cidade me provocou (e me provoca). Provavelmente, jamais morarei em Berlim, mas isso não tem importância: a cidade já mora em mim, há muito tempo.