segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Você tem fome de quê?




O garotão americano Christopher McCandless, antes de entrar em Harvard, abandona o caminho seguro e óbvio pré-traçado pela vida típica de uma família classe média norte-americana, pra ‘cair no mundo’ sem um tostão no bolso em direção aos confins do Alasca. Essa história verídica é contada pelo filme ‘Na Natureza Selvagem' (‘Into the Wild’), que tem direção do talentoso Sean Penn (sim, existe vida inteligente nos EUA!) e impressiona não só pelas paisagens belíssimas, mas sobretudo pelo roteiro muito bem amarrado, pelos personagens que o cara vai encontrando pelo caminho, e pela direção segura e criativa, rica em detalhes. O filme emociona sem jamais cair na pieguice, e tem ao menos uma meia dúzia de cenas brilhantes, de rara inspiração.

Quando saí do cinema, imediatamente me lembrei de duas produções anteriores, de ‘clima’ parecido. A primeira é ‘Dersu Uzala’, maravilhoso filme de 1975 dirigido pelo mestre Akira Kurosawa. Conta a história de um explorador do exército russo que é resgatado na Sibéria por um caçador asiático, dando início a uma forte amizade. Quando o explorador decide levar o caçador para a cidade, seus costumes se confrontam de forma insuportável com o enfadonho modo de vida na cidade, fazendo-o questionar diversos padrões da sociedade. Inesquecível.



O outro é o bem mais recente ‘O Homem Urso’, documentário dirigido em 2005 pelo também genial Werner Herzog, que assistiu a horas e horas de material gravado em vídeo pelo americano Timothy Treadwell. Este não era biólogo e nem tinha profissão definida, mas resolveu estipular como missão de sua vida, estudar e proteger os ursos-pardos do Alasca. A história terminou em tragédia – Treadwell e sua namorada foram devorados por um urso não muito ‘amigo’ -, mas o filme tem um inusitado viés humorístico, muito por causa da personalidade ímpar do protagonista, e um pouco por causa do olhar original do diretor alemão.


São três filmes ‘primos’, eu acho. É um chavão, eu sei, mas cada um à sua maneira, estes filmes nos fazem sentir a insignificância de nossas vidinhas mesquinhas e burocráticas, diante da imensidão da natureza e do universo de possibilidades que não enxergamos – ou que não queremos enxergar. Há um sentido místico, quase óbvio e quase opressor, por trás das aventuras de Dersu, de Timothy e de Christopher. Mas será que buscavam Deus? Será que buscavam a si mesmos? Liberdade? Felicidade? Tudo isso junto??

9 comentários:

anna disse...

sei lá, mas acho que mais do que uma missão, desejo de liberdade ou felicidade, a busca humana é pelo ser real, que imaginamos estar escondido em algum lugar dentro de nós.
será que existe essa criatura? acho que não, mas porque a humanidade moderna continua buscando o eu mais depurado possível?
o austríaco deve explicar.

Anônimo disse...

Belas e intrigantes perguntas , Neil.
Uma das prováveis respostas : junguianamente falando, buscavam uma certa parte de si mesmos. Algo assim a ver com o mito de Parsifal, um dos cavaleiros da Távola Redonda e a busca do Santo Graal.
Um livrinho, verdadeiro best-seller na área, explica tintin-por-tintin a bagaça. Editora Mercúrio, título "He" de Robert A. Johnson, custa uns 20 mangos . Não, não é auto-ajuda, é sério e ... ajuda.

Neil Son disse...

acho que s�o v�rios 'eus' que nos habitam, anna. o problema � saber qual deles � 'mais' voc�. e se chegar a essa descoberta, o problema passa a ser: ser� que gostamos desse 'eu'?

Neil Son disse...

seriam dersu, chris e timothy, doentes sociopatas, peri? ou pelo contrário,´seres utópicos que acreditavam em uma existência 'superior' para a condição humana? valeu pela dica: vou atrás do livrinho...

Anônimo disse...

esses caras não devem ter três filhos e o monte de conta que eu tenho para pagar.

Anônimo disse...

Doentes nada, Neil, absolutamente normais ( seja lá o que isso signifique ). Na verdade todos procuram essa "existência superior" que varia conforme o grau de referências de cada um.Mas esta busca está em todos. Alguns, como belos os exemplos que você levantou, são mais visionários, tentar a descoberta on the road.
Os resultados finais são diversos, de repente podem virar tira-gosto de urso.

Quanto ao livrinho, acho que vai gostar, por causa deste papo comecei a relê-lo, muito mais interessante agora, com mais alguns anos de vida e algumas bordoadas a mais no lombo.

Neil Son disse...

é, acho que não tem mesmo, franka. mas que vc ficou com uma pontinha de inveja dos caras, ficou mesmo, falaverdade...

Neil Son disse...

de repente podem virar tiragosto de urso, peri, ou então ficar em casa cuidando de filhos e pagando contas...

Anônimo disse...

neil, um dia vou fugir e observar alguma espécime. ainda não decidi qual.