O
MSB -
Movimento dos Sem Blog, orgulhosamente inaugura, neste sítio, o
ESB -
Espaço dos Sem Blog, com um texto de autoria do jornalista Walterson Sardenberg Sobrinho. Grande figura, conhecida pelos amigos 'das antigas' pelo codinome bem menos pomposo de 'Boca' (e no meio jornalístico, por 'Berg'), Walterson é um exímio contador de histórias e possui texto refinado. Tem hoje o emprego dos sonhos de muito jornalista: editor-chefe de uma revista de turismo. Ou seja: o cara viaja o tempo todo pro mundo inteiro, fica nos melhores hotéis, come nos melhores restaurantes, e ainda ganha pra isso, hehehe.... Bem, aí está: deliciem-se com o texto abaixo e, aos integrantes do MSB, renovo o aviso: mandem suas colaborações (textos, imagens, qualquer coisa...) para
marcio@smartci.com.br. Como aponta ameaçadoramente o Imperial aí embaixo, você pode ser o próximo a ocupar esse espaço!
Comédia de erros— E então eu falei para o Fernando: “Fique tranqüilo. Já te enviei aquele material, ninguém vai saber de nada”.
Fernando, no caso, era Fernando Collor de Mello, então recém-eleito presidente. Quem se referia a ele com tanta intimidade, ao telefone, era o gordo Carlos Imperial. Não duvidei que Imperial desfrutasse da intimidade do presidente. Ele era capaz de tudo. No Natal de 1968, enviara aos amigos um cartão de Boas Festas em que, debochado, aparecia fotografado nu no vaso sanitário, exibindo sua rotunda silhueta. Muita gente se divertiu ao receber o mimo. Nem todo mundo. Um general sem espírito natalino mandou prender Imperial. Dias antes, os militares haviam jogado no toalete os tais “escrúpulos da consciência” e instaurado o AI-5.
— Você conhece o presidente faz tempo? — perguntei.
— Ah, desde a época em que ele era garotão e andava de enrosco com um mulherão que foi atriz de um dos meus filmes. O Fernando estava sempre nas locações. Fazia um tremendo sucesso com a mulherada.
Continuei não duvidando. O Imperial, que eu conhecera meses antes numa entrega do Troféu Imprensa, era mesmo capaz de tudo. Nos anos 50, ele lançara Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Jorge Ben. Na década seguinte, se tornaria um compositor de raro faro para o sucesso, criando clássicos como o Vem Quente Que Estou Fervendo — este em parceria com Eduardo Araújo. No programa Esta Noite se Improvisa, na TV Record, era dos poucos que rivalizava em conhecimentos musicais com os garotos Chico Buarque e Caetano Veloso. Vestindo uma camisa do Corinthians e bancando o machista e mulherengo, pedia vaias à platéia. Sua máxima: “Prefiro ser vaiado numa Ferrari a ser aplaudido num ônibus”. Era uma figura. Já nos anos 70, pegara uma carona, primeiro como produtor e depois como diretor, na onda das pornochanchadas. Era homem de sete instrumentos, embora arranhasse mal e mal o violão.
Naquele começo dos anos 90, porém, andava esquecido, doente e amargurado. Por isso, arrumara interlocutores como eu, um jornalista pouco conhecido de São Paulo. Mas não perdera a verve. Contava casos durante horas e deixara escapar a história de ter enviado ao presidente algo que me pareceu comprometedor. Percebendo que falara demais, passou a ser reticente. Mas, tanto insisti, que Imperial acabou contando.
Em uma de suas pornochanchadas, o roteiro enveredava pela comédia de erros, aquela série de situações cômicas de entra gente, sai gente, com correrias etc e tal. Faltavam, porém, coadjuvantes. Imperial teria visto Collor dando sopa no set e, em nome da amizade e da carência de opções, pediu que participasse da sequência. Tarefa do novato: correr só de cuecas. Collor quis ir embora. Mas Imperial era, de fato, capaz de tudo. Persuadiu o rapaz. Agora, duas décadas depois, estava enviando ao presidente as cenas comprometedoras retiradas das cópias que restaram do filme.
Que filme seria aquele? Perguntei, insisti e nada. Mais o gordo não contava. Eu que ficasse curioso. Nas consultas que fiz à época, descobri que Imperial estreara como produtor em 1974, com Banana Mecânica, estrelando Rose di Primo. Depois, dirigira no mesmo ano Um Edifício Chamado 200, com Vera Gimenez. Seguiram-se Sexo das Bonecas (1976), com Arlete Salles, e três filmes rodados em 1977: Férias Amorosas, com Marta Moyano; Funerária Kung Fu, com Sandra Escobar e, fechando a safra, Sexo Maníaco, de novo com Marta Moyano. Confesso que ainda não perdi a curiosidade. Estou sempre atento à programação do Canal Brasil para ver se uma daquelas fitas aparece.
Nunca soube se a história da comédia de erros era verdadeira. Carlos Imperial morreu de infecção generalizada em 4 de novembro de 1992, aos 56 anos. Àquela altura, o Fernando já havia aprontado coisas muito piores do que correr de cuecas num filme nacional.