segunda-feira, 24 de março de 2008

Esqueleto no armário



A capa da Folha Ilustrada de hoje traz interessante matéria sobre ‘Ninguém sabe o duro que dei’, documentário de Cláudio Manoel (do Casseta & Planeta) sobre Wilson Simonal. Pra quem não sabe ou não se lembra, no final dos 60/comecinho da década de 70, Simonal era um artista de enorme sucesso – como bem coloca a matéria, sua popularidade só era maior que a de Roberto Carlos e o único negro mais famoso do que ele, no Brasil, era Pelé. Mas em 71, Simonal desconfiou que seu contador, Raphael Viviani, estava lhe passando a perna e teve a infeliz idéia de chamar uns ‘amigos’ pra dar um susto no cara. Os tais amigos, agentes do DOPS, deram tremenda surra no sujeito. A mulher do contador deu queixa, um dos agentes falou que Simonal era informante da ditadura e pronto: estava armado o cenário para a desgraça de Simonal. Embora jamais tenha sido comprovada a acusação de ‘dedurismo', por muito tempo seu nome foi como um palavrão evitado por todos e relegado a um estranho e mal explicado ostracismo - nunca totalmente entendido e/ou esclarecido. Banido pela classe artística e pela mídia, Simonal jamais se recuperou do exílio forçado; morreu há oito anos, carregado de mágoas e angústias.


O que parece claro é que o coitado do Simonal recebeu uma injusta ‘condenação’ moral e ideológica. O que importa, agora, é lembrar que ele era um cantor excepcional, dos melhores que o país já teve: afinação, dicção perfeita, balanço incomparável e versatilidade para flutuar pelo jazz, pelo samba e pelo soul em gravações antológicas como ‘Tributo a Martin Luther King’ e ‘Sá Marina’. No auge do sucesso, Simonal circulava pelo Rio e por São Paulo com roupas extravagantes, dirigindo carrões ao lado de loiras vistosas; na televisão, era o arauto de algo que foi batizado (ou batizou?) de ‘pilantragem’, que seria uma ‘releitura’ da velha malandragem carioca. Evidente que a postura ousada daquele negão incomodava muita gente, que parecia apenas esperar pela primeira oportunidade pra ‘ferrar’ com ele. Infelizmente, Wilson Simonal deu a munição perfeita para essas pessoas. E é lamentável que praticamente toda a ‘intelligentsia’ da época tenha aderido, sem questionar, a essa cruel condenação de um grande artista.

17 comentários:

anna disse...

coisa horrivel mesmo.

a lingua humana, como diz na bíblia, é a parte do corpo mais perigosa.

vontade de fazer um voto de silênciao por tempo indeterminado.

Neil Son disse...

o mal é o que sai da boca do homem, anna.

Patty Diphusa disse...

O título do documentário é de uma ironia perfeita. É a mistura de tudo que marcou a vida dele.

Bjs

Neil Son disse...

é mesmo, patty. como dizia a minha vó, acho que o cara passou por 'poucas e boas'.

Anônimo disse...

Muita "pilantragem" deu no que deu.
"Jeitinho brasileiro" potencializado demais incomoda.
Um certo paralelo com a triste ( premonitória ? ) propaganda com o Gerson, cujo nome passou a causar arrepios com sua famosa " lei".

Neil Son disse...

é, peri... e junto com o simonal, foi o mug para o ostracismo (e para o túmulo). mas a 'lei de gerson' continua viva, principalmente no trânsito.

Ana Carmen disse...

Essa nova versão da história relativiza a informação absoluta que chegou aos meus ouvidos nos anos 70: o cara é um dedo-duro. E ponto. Eram outros tempos, vamos dizer que não pegava bem ter "amigos" no Dops. Mas concordo, ele era um músico cheio de ginga, não o meu favorito, mas muito simpático.

Neil Son disse...

não existe 'nova versão da história', ana carmen. o que chegou aos seus e a todos os ouvidos na época, chegou em forma de boato, em forma de diz-que-diz jamais comprovado. julgar e condenar qualquer um a partir disso me parecia, me parece e pra mim sempre será, um absurdo. 'o cara é dedo-duro e ponto'. como assim???

jayme disse...

Simonal foi um dos maiores de seu tempo, inovador, competentérrimo, afinadíssimo, versátil. Foi vítima da irracionalidade de uma guerra. Se olharmos as guerras mundo afora, encontraremos muitas dessas injustiças (ou exageros, talvez). Os que lincharam Simonal estavam do lado mais fraco, mas mais barulhento. De certa forma, foram os mesmos (ou muitos deles) que ajudaram a empurrar o país de volta ao estado de direito. Simonal dançou de bobeira, colocou o corpinho numa linha de tiro que, parece, ele não sabia existir. Com toda a pinta da pilantragem, foi um malandro otário. A condenação foi muito acima do que ele merecia. E sem anistia. Nós a devemos a ele, na forma da recuperação de sua música. Ela e ele merecem ser revisitados e ocupar, mesmo postumamente, o lugar alto que lhes cabe.

jayme disse...

Só pra lembrar aos que não se lembram muito bem:
http://www.youtube.com/watch?v=OyYhqICxyvE

Neil Son disse...

putz, jayme, falou tudo. obrigado, mestre!

Lord Broken Pottery disse...

Uma das páginas horríveis de nosso tempo. Um linchamento sem julgamento, condenação sem possibilidade de defesa. Outros também foram perseguidos. Falava-se também da Divina (Elisete Cardoso) que só não teve destino igual devido ao carinho que Vinícius de Moraes tinha por ela.
Grande abraço, irmão

Neil Son disse...

welcome back, lord!! puxa, não sabia essa da elisete! que coisa, hein?? e faça o favor de atualizar aquele seu excelente blog!!! abraçãoaí!!

Anônimo disse...

Ana Carmen, com todo o respeito, que comentário infeliz. A internet é um espaço democrático, porém, bom senso cabe em qualquer lugar, você deveria ter um pouquinho mais de cautela ao manifestar opiniões sem qualquer embasamento. Ao longo da vida aprendi que devemos nos dar o direito de mudar de idéia quando necessário ou quando estamos equivocados, porque as opiniões contrárias às nossas são as que realmente fazem pensar (claro, se bem argumentadas e fundamentadas). As ideologias nos impedem de avaliar os fatos com isenção porque têm a pretensão de formar uma lógica para obter imagem universalizada de determinado assunto.

A arte de Wilson Simonal representava alegria num momento de dor e perdas, o que gerou perseguição policialesca por parte dos intelectuais engajados que não podiam questionar publicamente o sistema. Estes, transformavam suspeitas em verdades absolutas e, já que eram obrigados a engolir a humilhação de viver sob o jugo dos militares, se vingavam em bodes expiatórios como o Simonal.
Não há qualquer verdade em tudo o que foi dito contra ele ao longo de quase quatro décadas, o suposto envolvimento com a repressão já está mais do que esclarecido. Simonal foi desmoralizado porque a mídia promoveu uma campanha sórdida contra ele e a classe artística tratou de engolir rapidinho toda a história...

Caso queira, terei o maior prazer em lhe fornecer mais informações.
Abraços.

Neil Son disse...

meire, excelente comentário e oportuno esclarecimento. volte sempre!

Anônimo disse...

25 de Junho – Oito Anos Sem Simonal

A saudade de Wilson Simonal não pertence apenas à família e aos que com ele conviveram, é sentida também por seus fãs.

Oito anos se passaram desde que a voz mais brilhante deste país se calou, e a tristeza que hoje invade o meu peito é a mesma que senti quando o meu ídolo foi embora. Naquele dia, como disse Nelson Rodrigues, a vontade que tive foi de sentar no meio-fio e chorar.

Cresci ouvindo Simonal graças a meu pai, que adorava as suas músicas e a sua alegria. Ambos partiram, fã e ídolo marcaram um encontro lá no céu e, agora, é bem provável que estejam jogando conversa fora e cantarolando entre uma piada e outra.

As lembranças me remetem a tempos distantes e felizes, que sei, não voltam mais. Lágrimas afloram, mas ninguém as vê; são silenciosas, não ouso expressar um único som. É em silêncio que, neste dia, confronto os meus mais caros sentimentos.

Simonal deixou marcas definitivas em minha memória e em meu coração: a alegria infantil, a figura inesquecível, o lindo sorriso e a imensa saudade. Anjos o trouxeram, anjos o levaram, mas sua música estará sempre comigo e, desta forma, ele também estará. Enquanto existir um só artista que interprete as suas canções ainda haverá emoção, e sua arte permanecerá viva.

Wilson Simonal de Castro merece a atenção dos estudiosos brasileiros, e não apenas citações. Seus discos, sempre esmerados pela produção que os envolvia, eram os mais vendidos do Brasil graças ao público que o consagrou como um de nossos maiores intérpretes. Negar a sua participação na história da nossa música é impossível. Evitar preconceitos será sempre uma boa introdução, e reverenciá-lo como artista é, definitivamente, o nosso dever.

No bucólico silêncio dos mortos uma história grita, clama ser ouvida, NÃO PEDE PRECES, PEDE JUSTIÇA. Poucas vezes a morte se fez tão provisória; onde se imagina o ponto final, é apenas o recomeço.

Fica aqui registrada a minha tristeza e a minha homenagem a um ídolo que marcou os meus sonhos de menina, e que sempre ocupará um espaço muito grande em meu coração. A sua benção, Simonal.

Neil Son disse...

obrigado pelo comentário, meire. volte sempre!