quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Espaço dos Sem Blog - 3a. Edição


Oba! Mais uma colaboração do MSB - Movimento dos Sem Blog! Dessa vez, trata-se de Ricardo Carlos Gaspar - que me pediu textualmente para ser apresentado como viajante, cinéfilo, petista, rubro-negro e professor da FEA-PUC-SP. Além disso tudo, meu irmão! Leiam e divirtam-se! Afinal, não é todo dia que temos um sociólogo escrevendo sobre rock, hehe...


BIOGRAFIAS: TÉDIO E FUTILIDADES

Ultimamente, está na moda escrever e publicar biografias. Artistas, esportistas, celebridades do mundo político ou acadêmico eternizam e sacramentam suas experiências de vida em livros redigidos pelos próprios biografados ou por intermédio de interposta pessoa. O resultado é, em geral, insatisfatório.
Um dos hits editoriais, nesse campo, têm sido as biografias de artistas, particularmente de rock stars. Interessam-me esses depoimentos existenciais, pois músicos consagrados usualmente carregam consigo fortes experiências vivenciais e afetivas, associadas à condição de intérpretes de uma época e uma geração. Assim, se o relato for fidedigno e inteligente, tem tudo para ser, no mínimo, interessante.

Não é o que ocorre, contudo, com o livro Clapton: a autobiografia (Editora Planeta), no qual o grande guitarrista de rock e blues destila suas memórias.
Trata-se, aqui, de um caso em que o relato está furos abaixo da produção de um artista excepcional. Este não merece aquele. É quase inacreditável que seja assim, mesmo que abandonemos a idéia ingênua de que o grande artista necessariamente domine o significado cabal de seu trabalho, ou que seja um ser humano acima das vicissitudes normais de nós, pobres mortais.
Por que quase inacreditável? Porque o livro é muito ruim, mal escrito e incapaz de, minimamente, captar o espírito de uma época tão transcendente.
Dois terços do relato são desperdiçados em enfadonhas descrições de “experiências” de pesca, caça, retratos provincianos de sua modesta cidade natal, relação com parentes, seus investimentos em carros e armas, e coisas do gênero, de escasso interesse para o entendimento do músico em que Eric Clapton se transformou.

Pior: os grandes acontecimentos que marcaram o cenário cultural das últimas décadas são simplesmente ignorados. Assim, tudo que extrapola o mundo do cenário pop, como os eventos políticos e comportamentais da época, não merece uma única menção em todo o texto - aliás, EC diz que política não lhe interessa e tudo lhe parece armação e ações conspiratórias. No máximo, tais eventos são meramente citados, sem nenhum comentário elucidativo ou depoimento pessoal sobre os personagens envolvidos. Nesta condição cito, como exemplo, as mortes de Hendrix, Joplin e Lennon – as duas últimas nem sequer constam do relato.
De Jagger, só fica-se sabendo que ele “garfou” uma das inúmeras conquistas amorosas de Clapton, o que granjeou o ressentimento, por parte do guitarrista inglês, em relação ao líder dos Stones por algum tempo.
Dada a ausência de um depoimento lúcido sobre o rico ambiente sócio-cultural no qual as coisas ocorreram (olha, aqui não tem nada de sociologia, hein?) e sobre as pessoas que ajudaram a produzi-lo, resta a porção “sexo, drogas e rock and roll” (“acid, booze and ass, neddles, guns and grass, lots of laughs, lots of laughs...”, nas palavras de Joni Mitchell).

Mas também aqui, sobra decepção. Do exacerbado machismo na relação com as mulheres ao extremo egocentrismo que perpassa todo o texto, só desperta algum interesse, mesmo, o relato de suas proverbiais bebedeiras e do consumo de heavy drugs.
Bom para ele, ruim para o leitor: EC se torna sóbrio, faltando mais de um terço para o livro acabar! E sabem como isso ocorre? Após meses de várias internações, seguidas de recaídas no uso da “marrrvada”, um belo dia o protagonista se ajoelha, reza e toda sua compulsão para o vício desaparece por milagre. Dá pra acreditar? Quem é crente fervoroso deve adorar, mas àqueles numerosos aos quais foi concedido, no mínimo, o benefício da dúvida, se justifica uma séria desconfiança (aliás, Clapton deveria recordar as palavras de Lennon: “God is a concept by which we measure our pain”).
E vejam: essa fé na ação divina não foi abalada quando, pouco tempo depois, seu filho de 4 anos caiu do 50º andar de um edifício numa cidade americana: qual o motivo – se tudo é atribuído ao onisciente e onipotente – de uma tragédia dessa dimensão vitimando um inocente?
Bom, por essas e outras é melhor ficar com a memória exclusivamente musical de Clapton. A tempestade elétrica do Cream e seus magníficos e arrepiantes solos refletem, antes, as 'deserted cities of the heart', imersas num contexto que a reflexão do autor não soube (ou não pôde) traduzir. Para quem quiser um depoimento mais autêntico e informado sobre o mundo da cultura psicodélica, recomendo o livro de um dos (arrisco dizer) maiores músicos de todos os tempos, Paul McCartney. Em "Many years from now" (traduzido e disponível no Brasil), o leitor vai encontrar muito daquilo que, em vão, buscou na narrativa extremely boring de Eric Clapton.

19 comentários:

Anamyself disse...

Pobre de mim, que tive que ouvir inúmeras passagens do livro lidas em voz alto por você, pai, para provar o quão "boring" é a autobiografia.

Eric Clapton deveria saber que o interesse por sua música não necessariamente corresponde à que gera sua vida pessoal. Muito menos os relatos da pesca, os detalhes da casa vizinha à sua e coisas que não afetaram (nem pra melhor, nem pra pior) sua música.

O que moldou o cara (e gera interesse em qualquer biografia) é a época turbulenta, os excessos, alucinógenos, os vexâmes, as festas!

Quem liga para pesca?

E, pai: não precisa usar uma linguagem tão rebuscada. Quanto mais simples a grafia, mais fácil a leitura! Mania de professor universitário essa de ter de escrever difícil...

anna disse...

bom saber, ricardo. gosto muito de biografias.e dessa, vou passar batido.

Anônimo disse...

hahaha aninha, num implica com o véio, não... é o jeito dele, ué. e sobre a pesca... uma vez assisti NA ÍNTEGRA um programa de duas horas sobre pesca, domingo de manhã! foi um tédio incrível, mas com poder hipnotizador. e a vantagem de poder desligar a TV quando realmente enchesse o saco; o problema é que, se vc estiver pescando de verdade, não tem tecla 'on/off'...

Anônimo disse...

anna: a biografia do paul, que ele recomenda no texto, é realmente demais!

Patty Diphusa disse...

Estou aqui tentando conter minhas risadas para dizer o que estava querendo. Mas a Ana Clara foi demais.."pobre de mim...", "não precisa usar uma linguagem tão rebuscada"...Pelo jeito, tal pai, tal filha.
Mas Ricardo, vc não acredita que eu estava de saída nesse exato momento para ir na Fenac trocar um bônus que ganhei pelo livro do Clapton. Vou procurar do Paul. Tks pela análise, muito boa.
Bjs para vc, para a filha e para o irmão, o dono do pedaço.

Anônimo disse...

Tem coisas impagáveis no campo das autobiografias, que faz de Eric Clapton um gênio da escrita. Outro Eric, o Hobsbawm (o famoso historiador)escreveu a sua: nada, rigorosamente nada acontece, pois o ilustre professor nunca foi além das "lides" acadêmicas, não bebe, não fuma, só teve uma mulher e nunca dormiu no sleeping bag, e sua maior diversão é frequentar uma montanha gelada e permanentemente cinzenta no País de Gales. Cruz credo!
Pior mesmo, podem crer, é o relato de Marcio Borges, intitulado Clube da Esquina. Para quem quiser saber dos chas com bolachas nas tardes de BH na casa das tias velhas corra pra garantir o seu exemplar - não passa disso!
Ontem li uma crítica de um leitor americano, fã do Eric Clapton (just like me). Ele termina seu depoimento indignado afirmando + ou - assim: se com tudo isso que eu disse vc ainda quer comprar olivro, espere alguns dias que ele estará sendo vendido por U$ 5,00 (hoje custa U$ 27,00) na prateleira do seu supermercado...
Por fim, escrevo assim mesmo. Fazer o quê? Então, chega de blogs e volto para minhas ontologias e perquirições epistemológicas sobre o ser social...
Tsk.

Anônimo disse...

quiáquiáquiá, anonimo ricardo, adorei seu comentário - os exemplos de 'quasegenios' das autobigrafias são ótimos! e que papo é esse de 'chega de blogs'? now you're a star, hahaha!!

Anônimo disse...

patty: não mesmo fascinantes os caminhos da biologia e das hereditariedades?

Anônimo disse...

'não são mesmo', eu quis dizer..

Anônimo disse...

Oi,
só pra não deixar ambíguo e feio: beijo a vc Márcio e ao Peri tb.

Anônimo disse...

Ai, escrevi no lugar errado. O "comment" era do post passado. Sorry.
Bjs.

Anônimo disse...

Well, já li uns 3 capítulos, me odeio, então lerei até o fim. Curiosidade mórbida.

jayme disse...

Às vezes é melhor ouvir o que os caras cantam do que ler o que eles dizem. Caso de Caetano comentando Araçá Azul. Vou passar batido sobre o Clapton dito para preservar o tocado.

Anônimo disse...

nossa, olhei a foto do cara de guitarra e achei que era teu irmão tocando hahahahahahahaha

GUGA ALAYON disse...

ia falar o mesmo q o Jayme. vamos deixar então pra só ouvir o Eric Veloso

Anamyself disse...

"perquirições"
Que troço é esse?

Tô falando que escreve com linguagem rebuscada!

Anônimo disse...

'perquirições' realmente é foda, aninha - nuca ouvi esse palavrão.... wimwenders e aprendenders, né?

Patrícia Gasppar disse...

eu acho que todas as vidas são muito interessantes. saber contá-las é uma arte sem tamanho e despediçar uma história que por si só já é um mar de experiência, como a de um artista como Clapton,parece ser mais um retrato de nosso tempo raso onde qualquer um lança um livro, tem um filho e planta uma árvore sem os méritos da grandeza humana que a esses atos eram atribuídas. Não li mas confio nos comentários do meu brother e arrisco esse meu. I shot the xerif!

Anônimo disse...

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