quinta-feira, 24 de abril de 2008

A turba do 'pega e lincha'


Não tenho acompanhado, me recuso a ser consumidor desse circo de horrores em torno do caso da menina Isabella; e também não tinha a mínima intenção de falar sobre este assunto aqui no blog. Continuo firme nesse propósito, mas agora deixarei o brilhante Contardo Calligaris falar por mim. Os trechos abaixo foram retirados de sua coluna de hoje, na Folha de S.Paulo. E a foto acima mostra crianças da 'Juventude Ku Kulux Klan'. Existem mesmo muitas formas de violentar as crianças; até mesmo preparando-as para serem as violentadoras de amanhã.

"Em parte, a irritação que sinto ao contemplar a turma do 'pega e lincha' tem a ver com isto: eles se agitam para me levar na dança com eles, e eu não quero ir. As turbas servem sempre para a mesma coisa. Os americanos de pequena classe média que, no Sul dos Estados Unidos, no século 19 e no começo do século 20, saíam para linchar negros procuravam só uma certeza: a de eles mesmos não serem negros, ou seja, a certeza de sua diferença social.

Regra sem exceções conhecidas: a vontade exasperada de afirmar sua diferença é própria de quem se sente ameaçado pela similaridade do outro. No caso, os membros da turba gritam sua indignação porque precisam muito proclamar que aquilo não é com eles. Querem linchar porque é o melhor jeito de esquecer que ontem sacudiram seu bebê para que parasse de chorar, até que ele ficou branco. Ou que, na outra noite, voltaram para casa e não se lembram em quem bateram e quanto.

Nos primeiros cinco dias após o assassinato de Isabella, um adolescente morreu pela quebra de um tuboágua, uma criança de quatro anos foi esmagada por um poste derrubado por um ônibus, uma menina pulou do 4o. andar apavorada pelo pai bêbado, um menino de nove anos foi queimado com um ferro de marcar boi. Sem contar as crianças que morreram de dengue.

A turba do 'pega e lincha' representa, sim, alguma coisa que está em todos nós, mas que não é um anseio de justiça. A própria necessidade enlouquecida de se diferenciar dos assassinos presumidos aponta essa turma como representante legítima da brutalidade com a qual, apesar de estatutos e leis, as crianças podem ser e continuam sendo vítimas dos adultos".

14 comentários:

anna disse...

o contardo é impressionante!

e que foto horrorosa desses branquinhos aí.
é recente?

Patty Diphusa disse...

Muito bom esse texto do Contardo.

Adoraria conversar com esse cara um dia, em uma mesa de um restaurante francês e com um vinho delicioso. Não, não é crítica a nada,só juntando duas vontades;

Tks for sharing


Bjs

Neil Son disse...

sim anna, infelizmente a foto é recentíssima...

Neil Son disse...

eu também, patty, gostaria de conversar com o contardo. e aliás, ele acabou de lançar um romance, sabia?

Anônimo disse...

Até que enfim !

Também não tenho acompanhado esse circo/hospício. Mas esperava que surgisse de algum lugar uma análise inteligente do aspecto mais intrigante dessa história, que é essa patética "comoção" e "movimentação" popular.
Como diria meu avô, põe essa povinho num cabo de enxada que seria muito mais proveitoso.

Neil Son disse...

é isso aí, peri! assino embaixo!

Ms. T. Rios disse...

Com o perdão da vulgaridade, o Calligaris aí tem uma mira tão perfeita que acertou no meio do olho do c* da mosca, vendado e a 200m de distância, hem ?

;o)

Neil Son disse...

hahaha, é verdade cynthia! o cara é assim: semana sim, e a outra também, o tiro é sempre certo. impressionante...

GUGA ALAYON disse...

gde Comdardo Bull's eye!

Neil Son disse...

tá mais pra olho de águia, guga.

Anônimo disse...

É nessa diferenciação disparatada que a sociedade se aproxima dessas feridas purulentas que tenta tão erroneamente cicatrizar. Essa tentativa irracional de distanciamento levou o Sobel a defender a pena de morte no caso Liana/Felipe. Foi o que fez a puritana sociedade paulista endossar o massacre do Carandiru. É o que leva o estado judeu de Israel ao sintomático genocídio de palestinos.

Esse ímpeto separatista que a ignorância coletiva - catalisada pelo sensacionalismo - tem frente à tragédia transforma essas monstruosidades num problema social crônico.

Liana, João Hélio e Isabella ainda teremos aos montes, sejam queimados vivos, arrastados por quilômetros, esquartejados. Quanto mais tentamos nos distanciar dos atrozes, mais fomentamos o ódio por eles; ódio que, invariavelmente, acaba por se travestir (hoje não é dia bom pra se falar em travestir... hehehehe) de um espírito revanchista.

A nossa sociedade estimula a violência pela condenação da própria violência; ela fica ordinária, comum e cotidiana, como são as matérias sobre o caso Isabella. Graças a essa nossa doença social, devemos estar preparados: a próxima Isabella, além de enforcada, espancada e defenestrada, corre sério risco de ser estuprada, esfaqueada, incinerada etc. As fotos e vídeos vão ficar mais feios, as coberturas mais inflamadas, os apresentadores mais vermelhos e o povo mais comovido. Aí, vêm as férias, que acabam com o próximo infatincídio escatológico. A gente é gado. A única diferença é que, ao invés de capim, a gente se alimenta de carne crua.

Parabéns pelo ótimo post, pai. Abs, Gabriel.

Neil Son disse...

vixi, gabriel, cada vez que você escreve com essa virulência, com esse nível de informação, e com essa qualidade de argumentação, me deixa sem resposta (e orgulhoso...)

Anônimo disse...

A foto das crianças é chocante.

E o comentário do Gá é perfeito.

Neil Son disse...

concordo, aninha...