
Excelente artigo do Marcelo Coelho na Folha Ilustrada de ontem.
Destaco alguns trechos:
“Sexta-feira passada, dia de liquidações gigantes nos EUA, um funcionário da Wal-Mart morreu pisoteado pela multidão torrencial que invadia a loja em busca de produtos com desconto. Tanta correria para as compras, em tempos de crise, até que se explica. Os descontos foram maiores do que de costume, uma vez que as empresas já temiam uma queda de faturamento. Os consumidores americanos, por outro lado, resolvem aproveitar o que podem, enquanto não chega o pior. No meio disso, não deixa de ser chocante o apelo que as autoridades lançam à população: gastem mais! A ordem é consumir. Só assim, acredita-se, a economia sairá da crise, eliminando–se as famosas ‘poças de liquidez’. Não é preciso ser Bin laden ou Bento 16 para perceber que alguma coisa está errada nessa estratégia”.
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“A ganância é geral. Quem se endividou para comprar casas financiadas a preço de banana estava certo de fazer um grande negócio. As vítimas do sistema dançaram a música do sistema. Foram iludidas, é claro. Precisam ser salvas. Mas será racional ajudar as montadoras para que produzam mais carros, quando é evidente que nem o planeta, nem o mais humilde bairro de Lagos, na Nigéria, suporta mais trânsito nas ruas?
Passo para uma das fotos mais impressionantes da tragédia de Santa Catarina. Com água até o peito, pessoas que perderam tudo pegavam o que podiam num supermercado: garrafas de cerveja e caixas de alimento boiavam ao alcance da mão. Ninguém agiria de modo diferente. A sobrevivência estava em jogo. Mas a foto não ilustra apenas uma reação de desespero na catástrofe. É também símbolo de um estado de desequilíbrio permanente entre consumo e preservação da natureza, entre o ‘salve-se quem puder’ imediato e o ‘percam-se todos’ a longo prazo, que caracteriza o nosso modo de vida.

Se a ocupação urbana desordenada foi a causa estrutural da tragédia em Santa Catarina, coisa muito pior está anunciada em Jacarta, na Indonésia, segundo leio na ‘IstoÉ’. Estão construindo prédios gigantescos por lá. Acontece que o terreno não aguenta o peso de tantos andares. Quantidades preocupantes de água são extraídas do subsolo; a cidade afunda 5cm por ano. Calcula-se que daqui a 40 anos ela desaparecerá. Quarenta por cento de Jacarta está abaixo do nível do mar; marés descontroladas e chuvas torrenciais não faltam ali. Evidentemente, com a crise, devem estar pensando em pacotes de estímulo à construção civil...”
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“Em todo território americano, construíram-se casas sem que os compradores tivessem, de fato, dinheiro para pagá-las. Nas encostas de Blumenau, e sabe-se lá de quantas outras cidades brasileiras, montaram-se casas sem pensar nos riscos de deslizamento. Em Jacarta, empilham-se toneladas de concreto sobre um terreno oco”.
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“Na sociedade de consumo (diz o sociólogo polonês Zygmunt Bauman), diminui o espaço de tempo entre a vontade e a sua realização. Mais do que isso, diminui o prazo entre o nascimento da vontade e a sua morte. Compramos não para consumir, mas para nos livrarmos da vontade de comprar.
É evidente que se trata de um comportamento destrutivo; crises e catástrofes terminam parecendo, desse ângulo, o momento em que destruição e consumo colidem num único instante fatal. A foto do supermercado inundado, com o consumidor, que também é vítima, dando braçadas entre produtos e lama, é uma imagem dolorosa da situação”.
23 comentários:
tempos difíceis.
O mundo já acabou, o descrito no texto são pequenos detalhes da implosão final em andamento.
Neil:
Tudo isso é consequência.As causas estão lá trás.Lembra da musica do Chico,O que será que será..?
Günther.
Este vídeo explica a origem disso tudo que Marcelo Coelho falou de forma bem didática. É um pouco longo (20 min.), mas imprescindível!!! Vale a pena assistir:
http://oquimicocetico.blogspot.com/2008_07_01_archive.html
Libf
Neil,
parece que estamos tão certos que o certo é trocar o carro (velhíssimo, 4 anos - tem gente q troca c/ mto menos), a geladeira, importar nova techne, digo essa modernidade sem sentido. De algns ângulos, digo sério, melhores no q se costumou chamar Idade Média.
Obama foi uma vitória, mas deparamos com uma política-econômica doentia, advinda muito antes de Bush.
Lula foi uma conquista, mas mantêm modelo de desnvolvimento socioeconômico insustentável, em amplos e diversificados pontos de vista, e todos nós num único nó, humano.
Beijos.
Muito bom o vídeo que o Günther recomendou.Imprescindível mesmo.
não foi o 6ün, foi a L18f.
Bom mesmo
é anna, mas ao mesmo tempo, encaro como 'tempos interessantes'. do jeito que está, não dá mesmo pra ficar - quem sabe não estamos assistindo o começo do fim dessa cultura perdulária e suicida do consumismo como um fim em si?
peri: a era de aquarius está chegando??!!!
gunther: acho que nunca essas consequencias foram tão claras e visíveis.
o vídeo é sensacional, libf!!
sibila: eu, parte por ideologia e parte por impossibilidade financeira, estou muito, mas muito longe mesmo, da sanha consumista. e o lula? coitado, faz o que pode, mas não pode muito.
peri: foi a libf que recomendou.
isso aí, guga.
Neil
Era de aquarius ? não, pelo tamanho da água "era de piscinus olimpicus".
É mesmo, quem indicou foi a Libf. Esse negócio de "anônimos" e a leitura dinâmica atrapalham. Preciso fazer um curso de leitura estática.
A associação Günther/Libffraumilch,
causa confusão mesmo.
Não fui eu.
Meu mundo é desvirtual.
Günther.
Que bom que vcs gostaram do vídeo.
Quanto ao problema dos anônimos, é que para assinar comentários aqui vc precisa ter um blog, uma url ou algo que o valha. Como sou uma sem blog, acabo enviando comentários como "anônimo". Há outra forma de isso não acontecer? Quem souber, me ensina, por favor?
Ah! Acho que descobri!!!
Deu certo! Não sou mais anônima! Ufa!
piscinus olimpicus peri? sugestiva rima: nus e cus, hehehe...
desvirtue no mundo virtual, gunther: crie seu blog!
libf saiu do anonimato!!! agora só falta você, herr gunther!
Essa foto do cachorro é uma história comprida em si.
Deixo um beijo e um desejo de um grande 2009.
obrigado, ana carmen. aliás, o fotojornalismo não recebe, ao menos no brasil, o destaque e as honras que certamente merece. beijo pra você também.
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