quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Madonna nos jornais, na TV, no estádio, na cama

Hoje começa: Madonna leva ao Estádio do Morumbi, por três noites, a megaprodução 'Sticky & Sweet'. Ou seja: semana que vem, estaremos finalmente livres dessa overdose, desse verdadeiro massacre midiático em cima e em torno da insistente, megalômana e transbordante loira. Dou aqui minha contribuição: há 15 anos, assisti no mesmo estádio ao 'Girlie Show', na primeira vez que ela esteve aqui. Não fosse convidado, não iria, mas gostei do que vi: era um espetáculo muito bem feito, divertido e com soluções criativas - extremamente competente no geral, embora de música mesmo, tenha ficado muito pouco. Não fui convidado agora; portanto, não vou. Mas reproduzo aqui, como registro arqueológico e para quem interessar possa, a matéria que fiz para o Jornal da Tarde em 19 de julho de 1991, quando do lançamento do filme 'Na Cama com Madonna'.




Na Cama com Madonna não surpreende por despertar polêmicas a partir das atitudes ou declarações da cantora; tampouco, os 115 minutos do filme revelam qualquer tecnologia revolucionária. O filme é especial porque ousa mostrar Madonna e sua trupe na turnê mundial Blond Ambition, sem retoques ou adaptações convenientes a uma artista que evidentemente deseja continuar no topo do milionário mercado (conservador) da música popular.

Só nos últimos cinco anos, Madonna vendeu mais de 100 milhões de discos e acumulou uma fortuna que, segundo a revista Forbes, ultrapassa os 125 milhões de dólares. Se fosse uma artista previsível, teria gasto o dobro dos US$ 3,5 milhões que reservou para a produção do filme para contratar um diretor da moda, como David Lynch ou Spike Lee, e simplesmente levar às telas a reprodução fiel de seu show, com algumas poucas e inofensivas cenas de bastidores. assim fizeram os Rolling Stones no filme 'Let's Spend the Night Together' (de Hal Ashby) e também o grupo que acompanhava Bob Dylan, The Band, em 'The Last Waltz' (de Martin Scorsese). Mesmo os irlandeses do U2, apesar de chamarem um diretor praticamente desconhecido (Phil Joanou), também não foram muito além do formato convencional em seu 'Rattle and Hum'.

Sem discutir a qualidade dessas produções e deixando de lado as comparações estéticas e artísticas, o que chama a atenção em 'Na Cama com Madonna' é a quebra da monotonia que geralmente cerca os rock movies; pela primeira vez, uma estrela de primeira grandeza é mostrada sem maquiagem, acordando de mau humor após uma noite mal dormida; em outro momento, o público pode presenciar a face pouco atraente da cantora tirânica que destrata inapelavelmente toda sua equipe de som por causa de um pequeno problema no microfone; e mais adiante, a famosa femme fatale é mal sucedida em sua investida sobre o ator espanhol Antonio Banderas.

Outra ousadia da loira ambiciosa foi escolher Alek Kershishian para dirigir seu filme. Americano de origem armênia, formado pela Universidade de Harvard, Alek, aos 26 anos, nunca havia dirigido um longa-metragem; sua experiência se limitava a alguns poucos e inexpressivos videoclips de gente como Elton John e Eddie Brickell.

Madonna levou Alek ao Japão, em março de 90, para filmar o início da turnê; seguiram-se quase seis meses de viagens entre Europa e América do Norte e 250 horas de filme. A ênfase, que a princípio seria dada aos shows - que foram filmados em cores, com 22 câmeras de 35mm - transferiu-se para as cenas feitas com apenas duas câmeras de 16mm, em preto e branco, nos camarins, hotéis e aeroportos. E aí está o charme do filme: no momento da ampliação, as cenas gravadas em 16mm ganharam uma belíssima granulação que oferece um tom quase irreal a coisas tão corriqueiras como um simples exame de garganta ou uma banal entrevista com os bailarinos da trupe.

Depois disso, foi só rechear o roteiro com alguns ganchos emocionais infalíveis, como o encontro de Madonna com seu pai ou a visita ao túmulo da mãe em Detroit. Embora, nesse momento particular, o filme escorregue para a pieguice barata, a cena se justifica no contexto mais amplo do clima pesado que cerca o concerto de Madonna em sua cidade natal. Nessa hora, é impossível não lembrar da última meia hora do filme 'A Rosa' (de Mark Rydell), onde a personagem vivida por Bette Middler entra em terminal parafuso. Isso torna evidente a velha máxima hollywoodiana, que está incomodamente presente nas entrelinhas durante todo o tempo de duração de 'Na Cama com Madonna': a terrível e histórica solidão e infelicidade das estrelas. Madonna não foge à regra - apenas, felizmente, pertence a um tempo em que as divas não afogam suas mágoas em bebidas e barbitúricos. Como legítima estrela do final do século, Madonna prefere o sexo e a aeróbica.

Por falar nisso, a coragem de Madonna em realizar um filme que, nestes terríveis tempos de obscurantismo gerado pela Aids, fala basicamente de homossexualismo, merece aplausos: o contraponto entre seus seis bailarinos gays e o único hétero, Oliver Crume, é explorado com sensibilidade. Além disso, as cenas que chocaram os moralistas ao redor do planeta, como a já clássica simulação masturbatória no palco (enquanto canta "Like a Virgin"), o sexo oral com a garrafa de água mineral, ou a teatralidade do jogo sexual com seus bailarinos durante os shows, ficam no terreno saudável da diversão e do descompromisso. Ou seja, Madonna encara o sexo da maneira exata: sem culpas, tabus ou preconceitos. Sem dúvida, isso sim deve chocar muita gente. Mas cenas como a chegada inesperada da polícia no show de Toronto, a engraçada presença quase muda de Warren Beatty durante boa parte da fase americana da turnê, a passeata gay em Nova York, a festa oferecida pelo diretor Pedro Almodóvar em Madri, e o encontro de Madonna com Kevin Costner divertem a platéia e garantem a porção mundanité do filme.

É claro que 'Na Cama com Madonna' é uma produção nascida do exacerbado egocentrismo e narcisismo da estrela, mas merece ser vista acima de tudo porque, depois dos vários papéis que já representou no cinema - com destaque para a provocante Breathless Mahoney em 'Dick Tracy' -, Madonna consegue levar para as telas a plenitude de sua mais elaborada e melhor personagem: ela mesma.

29 comentários:

Márcia W. disse...

Márcio

Sexo, aeróbica e roquenrol, até aí, tudo bem. Só nunca digeri a história dela obrigar o ensino da Kabalah nos orfanatos sustentados por ela na África. Nada ver com a trajetória artística dela, claro, mas acho nefasto e queria dividir aqui com vocês, pô. E também só teria ido ao show se fosse "de grátis".

Anônimo disse...

Vi o filme e o show (Girlie). Fiquei meio frustrado porque a banda era formada por estrelas, mas ficou escondida. Madonna faz show de dança. E tenho a impressão que a ferrada que ela deu no Kevin Costner (ele disse que o show dela era "neat" e ela ficou enfurecida) deu uma boa balançada na carreira dele. Não fui convidado pra esse, nem pra aquele.

Neil Son disse...

é marcia, toda essa história dela em relação à áfrica é esquisita. e... curiosidade: uma TV aqui de sumpaulo deu a noticia de que a madonna não faz show às sextas-feiras em respeito à 'mandala', hehe...

Neil Son disse...

madonna faz show de dança. tem razão, pecus. mas não acho que ela tenha tido alguma infleunecia na decadencia da carreira do costner; o cara fez por merecer, por si só hehe...

Anônimo disse...

Oi Neil.
superbom texto, só pra variar. Tem muita coisa bacana aí e me fez pensar.
Então, acho o estilo sexo-show Madonna muito conservador, e isso pq - fico tentato tatear - raso,ligeiro demais: o sexo-mecânico é um fake do sexo-mecânico; o sexo quente/gelado é um quente/gelado sem gelo; um over-sexy quase frígido é quase. Queria lembrar algo que contrapuzesse (é assim q se escreve?) esse estilo, só me lembrei do "Último Tango em Paris" e de "Amores Perros". Queria lembrar de algo mais cru, que falasse do sexo/academia, mas não me lembrei.
Ficou compridóvski pra variar.
Beijo.

Neil Son disse...

sexo/academia sibila? vai ver o 'queime depois de ler', dos irmãos cohen. ou então, os velhos videos de aeróbica da jane fonda, hehe...

Anônimo disse...

Sempre que ouço falar em Madonna, corro e ponho para rodar Janis Joplin.

Anônimo disse...

Ah, sim , muito boa a matéria.

Anônimo disse...

Ah, vai Neil, pára de zoar. Ai, ai... tá bom, vc disse sexo e aeróbica, bom, então vamos de sexo e aeróbica em lugar de academia. O que quis dizer é que acabo achando o sexo aeróbica assexuado, nada subversor, nem a subversão plo vazio que dá, nada iconoclasta, na verdade, nada de nada. Jane Foda? Que foda?
Só que pensei nos instantâneos de agora, do sexo, solidão e coisa e tal, algo melhor que Sex and The City - que não é realmente um bom exemplo - e que Madonna. O "Queime", taí, vou ver.
Aeróbica: volver, marche, 1,2,1,2. Bom tema não explorado.
Bjs

Patty Diphusa disse...

Muito boa a matéria. E boa hora para republicá-la pque o Telecine não para de passar o documentário.

De lá para cá ela ficou ainda mais megastar e megafresca. Mas espero que seja um bom show pque eu vou no sábado. "de grátis", claro, pque não pagaria pela moça nessa atual fase.

bjs

anna disse...

onde a moça vai, a chuva vai atrás.
eita nuvem carregada!

vidas passadas até gostava de "dançá-la".

hoje não me toca em nada.

agora, que é enxutona, com pernas tipo perereca, isso ela é.

Anônimo disse...

Neil
Por um acaso não é nesse filme que ela, falando para a câmera pergunta qual a diferença entre um pop-star e um terrorista ? E responde, rindo : "com um terrorista você consegue negociar ..."

Márcia W. disse...

Sibila
Let´s talk about sex ! Concordo total com o ranço conservador que você vê na Ma(n)donna.
Lendo teu comentário lembrei do Betty Blue que começa com uma f*da super quente sem a gente saber quem são ou que ligação os personagens têm entre si.

Neil Son disse...

peri: janis joplin é cantora; não é disso que estamos falando aqui, hehehe...

Neil Son disse...

patty: é bom saber que o telecine anda reprisando o filme; vale a pena ver.

Neil Son disse...

anna: pernas de perereca é perfeito! deve ter quem goste, né?

Neil Son disse...

é esse mesmo o filme, peri! e depois disso, a madonna foi se tornando, cada vez mais, o exemplo perfeito da própria frase.

Neil Son disse...

sexo é o seguinte, marcia: melhor fazer do que ficar falando sobre.

Anônimo disse...

Márcia,
lembro do filme, da atriz, que era linda, sua presonagem era de uma malucona q atirava tudo pela janela, não é? Mas infelizmente não lembro dessa cena inicial. Putz minha memória não gravou o melhor.
É isso aí a Ma(n)donna, over sexy de araque!
bjs

Anônimo disse...

'pernas de perereca', ahahaha

Anônimo disse...

ou seria uma perereca com duas pernas?

Neil Son disse...

betty blue é mesmo um filme perturbador, sibila e marcia. e a tal cena inicial (não mais do que 5 min) é mais sexy do que toda a 'obra' da madonna...

Neil Son disse...

pernas de perereca e periquita acesa, guga. mas geralmente, quem fala e alardeia muito, pouco faz...

Márcia W. disse...

Neil,
viajar também é melhor do que ver national geographic, certo?
E digo mais, pode-se falar de sexo inclusive durante, rs rs rs.

Neil Son disse...

hehehe marcia, é isso aí!

jayme disse...

Madona é o único astro pop que se pode apreciar sem cantarolar. Eu não me lembro de nenhuma letra dela, mas me lembro de alguns desenhos.

Neil Son disse...

de estrelinha de filmecos pornô a 'country lady' na inglaterra. what a ride, hein jayme?

Anônimo disse...

Ouvi no rádio : ela viaja com uma equipe e acompanhantes, num total de de 250 pessoas, mas só 13 tem autorização para falar diretamente com ela.
E, interessante, por contrato todas as tampas de privada de seus quartos e camarins tem que ser novas e são depois ... levadas embora pela equipe de produção.

Neil Son disse...

será que a merda dela é mais cheirosa, peri?